domingo, 6 de maio de 2018

OS ENVELHESCENTES : ONDE E COMO VIVER

    Como boa envelhescente (tenho 94 anos e lá vai pedrada), estou interessada no meu endereço futuro (sempre fui otimista!).        

    Hoje estou satisfeita com minha vida e moradia. Vivo sozinha em um apartamento - se não contar meu cachorro que está com dezoito anos. Tenho autonomia e auto-suficiência para realizar atividades dentro e fora de casa, para manter minha rotina em dia e participar de encontros e eventos com familiares e amigos em vários lugares.

    Mas...sempre tem um "mas" porque a vida é uma sequência de mudanças, muitas  previsíveis como, por exemplo, que nenhuma delas tem efeito retroativo. Assim, posso prever que a excelência de minha vida, cada vez mais só poderá ser preservada através de alguns procedimentos que me garantam as melhores condições para que as mudanças favoráveis ocorram e permaneçam o quanto for possível. 
    Acho que posso resumir as boas condições da vida em uma afirmação geral: a qualidade de vida de um homem está em relação direta com o alimento que recebe na troca de energia que mantém com os outros homens e o mundo em que vive. Neste sentido acho que posso repetir,  com grande margem de certeza, que "o homem é o que ele come".  Esse comer deve ser entendido num sentido amplo de alimento tanto para seu organismo físico e fisiológico quanto o mental e psicológico. Daí a enorme importância, uma verdadeira revolução social, um "chute no pé da barraca" para dar um “basta” naquelas condições que tão frequentemente nos remetem à mudança final. Me refiro ao atual e crescente movimento para encontrar novos rumos de vida por parte de grupos cada vez mais numerosos de  velhos, idosos, tiozinhos e vovózinhas que vêm se recusando a morar nas casas de seus familiares onde são estorvos e fardos e nas Casas de Repouso onde são tratados como clientes terminais numa ante-sala à espera da chamada da morte.
    Essa nova população, que vem sendo denominada " os envelhescentes ",  é formada pelos indivíduos que ao entrar na faixa dos 60 anos estão começando a  perceber que não se transformaram mental e fisicamente em seres descartáveis pela sociedade. Ao contrário, a aposentadoria não lhes parece  mais um atestado de invalidez e, com a ajuda dos meios de comunicação e de novas políticas sociais de atividades e cultura para todas as idades, começam a sentir-se plenamente aptos a corresponder ao chamado do progresso e da vida moderna.
ulturais da cidade, voltados para os idosos ( programação anual do SESC, Conselho dos Idosos, Espaço do Idoso, Associações Laicas e Religiosas amparadas ou não pela Prefeitura, Trabalhos voluntários etc.).


    b) Buscar informações sobre moradias para idosos, existentes em várias regiões e analisar suas características e funcionamento. Para isso recorrer a materiais de divulgação, contato com entidades e/ou responsáveis, tanto no nosso país quanto no exterior, que estiverem a nosso alcance. De preferência procurar aqueles que apresentam algum diferencial relevante para nosso objetivo, em relação aos tradicionais existentes. 


    c) Estudar as possibilidades para a realização de um projeto de Comunidade, tendo em vista especialmente as informações obtidas diretamente dos idosos , as políticas públicas municipais, estaduais e nacionais sobre os cuidados e direitos dos idosos, os trabalhos realizados por Entidades, Grupos  e Sociedades que experimentam uma nova filosofia e orientação de vida que possam contribuir para a realização de nossa proposta. Além disso, indispensável para suporte e continuidade de um programa de atividades dos participantes da tal  Comunidade, analisar também a contribuição de trabalhos pioneiros de moradias comunitárias, tais como os  do Instituto Pindorama e outros Grupos de permacultura e de vivência em contato com a Natureza.

    Os resultados obtidos deverão ser analisadas à luz dos elementos que indicam sua importância para corresponder aos anseios daqueles que estão em busca  da alegria e dignidade da vida em toda a sua extensão.   
    Deste modo, os idosos serão os agentes e os destinatários das mudanças 
pretendidas.

  II -    Outro fator que se deve ter em mente é a clareza dos conceitos inerentes às nossas indagações a fim de que os resultados obtidos decorram da perfeita coerência desses conceitos e os objetivos, o que esperamos deste trabalho.
   a)  Um dos conceitos mais importantes é o do significado da VIDA. Já vimos que não nos interessa apenas o viver orgânico do idoso mas o viver consciente, pois é a consciência que dá significado ao processo orgânico do viver.
    Para nossos objetivos o Viver é um processo contínuo de interagir com o conjunto das  mudanças (entendê-las, aceitá-las ou substituí-las, dirigi-las e provocá-las etc.) que ocorrem no corpo e na mente de um indivíduo a partir do momento que ele começa a tomar consciência de si e do mundo até o momento   que essa consciência se extingue. 
    Assim entendido, o Viver ( ou processo de mudanças) depende do Movimento (causa das mudanças) e da Consciência (que as compreende e dirige) e da Matéria (o corpo humano, o que muda).


     b) O segundo conceito é o de ALIMENTO. Tambem ja vimos que, como  todo organismo vivo, o homem - matéria em movimento,  que se modifica constantemente - necessita de alimento. E na medida em que ele é um ser consciente, usará essa consciência para manter e dirigir as mudanças que ocorrem no processo da sua vida, ou seja, na sua constante busca do novo.
    No mundo - natureza e sociedade - ele escolherá o  alimento para o corpo e a mente e suas opções decorrerão dos conceitos e valores que aprendeu no mundo - seu livre arbítrio. 
As consequências de suas escolhas irão se refletir nas suas mudanças - na qualidade de sua vida. Daí a importância do meio - família e sociedade de um lado e  natureza, de outro - na orientação do indivíduo em relação às mudanças no processo do viver. 


   III. -     Não podemos esquecer um terceiro fator: a HERANÇA GENÉTICA  , o que os orientais denominam "tesouro que recebemos de nossos antepassados". A maneira como cada um faz as suas escolhas e lida com as mudanças no decorrer da vida está, em grande parte, atrelada às influências ancestrais inclusive o modo de perceber e reagir às condições ambientais:  sociais e naturais. 
Do amálgama de todos esses fatores resultará, à cada geração, uma  nova herança a ser transmitida de geração a geração num futuro sem fim...
         
Basicamente, as relações do homem com o mundo sempre foram as de um predador e sua presa;  e o papel da consciência é ensinar a julgar e fazer suas escolhas. Aos poucos,  a consciência vai sofrendo a influência dos valores ancestrais e familiares, das mudanças que ocorrem em outros fatores mentais tais como inteligência, sentimentos, emoções assim como dos valores sociais vigentes a exemplo da ética, da moral e da justiça, elaborados no decorrer de suas experiências de vida. E ele incorpora tudo isso às suas escolhas sob a forma das atitudes de amor e desamor. 

    Um dia vi na internet a mensagem de um padre católico que falava da diferença entre "utilidade" e "significado".  Então entendi melhor o "amor" na envelhescência.
     Dizia ele que é  no momento em que uma pessoa começa a se tornar inútil que podemos medir o amor. Sem utilidade, dela só restará o significado. Se embora inútil ela continua a significar algo bom, precioso para nós é porque a amamos de verdade, se não, esse amor que existia era por nós próprios, porque ela respondia às nossas necessidades. Esse aspecto da interação humana nos leva a compreender um pouco a complexidade do drama vivido pelas famílias quando seus idosos começam a demonstrar dificuldade em participar do seu ritmo de vida, das decisões e da rotina diária da família. A crescente indecisão entre atitudes opostas: de afastamento e impaciência hoje, frente às antigas e costumeiras provas de amor, provoca conflitos e complexos que só dificultam a percepção de que podem existir, ocultas pelos bloqueios dos idosos,  muitas contribuições sociais valiosas embora e talvez por conta das mudanças do ritmo de vida que ocorre no processo do envelhecimento.

    A simples observação das mudanças que se sucediam, física e mentalmente no idoso do século passado, comparadas com as que vêm  ocorrendo na população idosa atualmente, evidencia profundas diferenças sociais entre ambos.
    Por exemplo, até meados de 1900, os que chegavam aos sessenta anos eram considerados fora dos limites esperados. "Sexagenário" era palavrão para desqualificar socialmente aquele que não deveria ser levado a sério tanto física como mentalmente porque já estava - como eu ouvia muito quando era menina - "com um pé na cova".


    De outro lado, essa faixa da população que aumenta significativamente ano a ano vem apresentando, de forma crescente, maior disposição não só para viver como para participar ativamente de atividades antes impensáveis para essas idades. O estímulo de entidades que oferecem oportunidades de participação em atividades físicas  e culturais, o interesse de estudiosos e especialistas no campo da geriatria e gerontologia, são responsáveis pela quebra do antigo círculo vicioso: velhice > sedentarismo > moléstias compatíveis que levam o velho ao desestímulo, à negação da vida e espera da morte, o que traz cada vez mais velhice, mais sedentarismo etc. desgastando progressivamente o significado da vida e a esperança de mudanças a ela favoráveis.
   Hoje vemos pessoas com 90 anos ou mais participando de eventos, atividades de lazer e até no desempenho de serviços sociais voluntários com outros idosos. E não somente esses ainda poucos, mas uma grande faixa de envelhescentes  se mantêm na posse de capacidades físicas e mentais satisfatórias para ter relativa autonomia e independência para morar sozinhos.
   O estímulo social e o aumento da auto-estima já  têm levado idosos a ocupar altos postos na sociedade. Eles querem sim e podem contribuir para a evolução social em direção a um mundo melhor para a espécie humana. Quanto mais o homem viver mais ele poderá aprender e  estará em condições de compartilhar um bem que somente ele e nenhum jovem poderá fazê-lo: a Sabedoria para utilizar melhor o Conhecimento.
    
    Finalmente, é bom lembrar que, na melhor das hipóteses todos os seres humanos, agora envelhescentes, um dia serão velhos e que o investimento de hoje será o seu consumo amanhã. O prazo não é tão longo porque tempo não existe; a vida é sempre o agora. O que a valoriza são as boas mudanças que garantem os momentos felizes e a saúde para deles usufruir e compartilhar.

    Tal como pretendo fazer, espero que cada indivíduo, envelhescente, velho ou não, possa estabelecer conscientemente os parâmetros do local ONDE E COMO deseja para ser sua moradia amanhã ou para seus idosos de  hoje;  e se propor a buscar esse local. Em princípio ele deverá ser capaz de receber seus sonhos e desejos e se ajustar a eles.



Lília Sampaio de Souza Pinto
(blog “Sementeira”, volilia.blogspot.com)

















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