terça-feira, 27 de agosto de 2013

Aquele Presente de Aniversário!

2013! Neste ano, em novembro eu completarei - se tudo correr bem - noventa anos.
Ao perceber em meus filhos alguns indícios e sugestões indiretas sobre alguma coisa a ser feita em meu aniversário, resolvi abrir o jogo e avisa-los com antecedência de que não concordaria com nenhuma comemoração festiva e reunião de toda a família e amigos naquela data. Justifiquei apresentando inicialmente duas razões: a primeira é que a meu ver, a partir dos oitenta anos, todo aniversário deveria ser uma ocasião de alegria e paz para o aniversariante. Só a organização de tal festa para ele  já seria motivo de preocupação e estresse pois não teria mais  disposição nem estaria motivado a participar da preparação de um evento desse tipo. Se para poupa-lo a família lhe dissesse para não pensar nisso e deixar tudo em suas mãos, ele se sentiria amargurado e excluído dos acontecimentos como inútil.  Outra solução diferente poderia ser a escolha de uma dentre algumas alternativas muito comuns em aniversários. Por exemplo, poderia  ser escolhido um local - rodízio," crêperie" ou outro restaurante típico - onde cada  convidado pagasse a sua consumação e o aniversariante, afora o bolo e o "parabéns a você" seria apenas mais um convidado.  Para mim, uma " festa"  dessas seria de péssimo gosto!  Ainda que fosse contratado um buffet com local para a festa o aniversariante teria de enfrentar em um ambiente de formalidade banal e apressada os cumprimentos de parentes distantes e amigos, presentinhos, perguntas sobre a saúde de cada um e a das respectivas famílias e familiares, com os rosários de relatos das doenças e  medicamentos, mortes e hospitalizações etc., sem tempo para um contato realmente pessoal e um verdadeiro encontro afetivo. 
Caso esses motivos ainda não fossem considerados suficientes para me liberar de uma possível grande festa de aniversário, muito a contragosto eu ainda poderei colocar outro de maior peso. Ele se refere ao que eu julgo ser um lado oculto e muito pessoal das festas de aniversário de idosos ( pois para os jovens é outra conversa!). 
Tenho a certeza de que muitos de vocês ao lerem o que vou dizer agora,  poderão sentir-se revoltados e ofendidos em seu papel de filhos e parentes amorosos de seus pais  e outros  idosos da família. Mas se pensarem  friamente, deixando de lado a máscara social que nos leva a acreditar em nossas próprias desculpas,  e imaginar que um dia assim poderá ser a SUA  festa de noventa anos,  vocês me compreenderão. Hoje em dia é preciso que se pense  nos idosos com mais idade uma vez que o homem está vivendo mais tempo. Atualmente, entre os setenta e oitenta anos alguns idosos ainda com plena saúde poderão enfrentar um aniversário em grande estilo e talvez até  aprecia-lo mas, a partir dos oitenta anos na quase totalidade dos casos os idosos ou portadores da talvez quarta idade em diante têm-me parecido antes vítimas do que estrelas em festas comemorativas de seus próprios aniversários. 
Vocês já pensaram nos motivos que levam uma família a considerar essas festas tão importantes? O ano passa e o que realmente parece importar para os familiares é saber se o idoso está bem de saúde, se alimentando devidamente, indo regularmente aos seus médicos, tomando seus medicamentos rotineiros, etc. etc. Mas quando chega o momento em que ele vai completar mais um ano de vida, todos se preocupam  e pressupõem que aniversário de pais, avós ou outros parentes idosos que com eles convivem nunca deverá passar sem uma grande festa. Por tudo que eu tenho observado na  maioria dos casos isso ocorre  pela necessidade que a família sente de se penitenciar por não ter demonstrado suficiente interesse por uma convivência mais afetiva e por seu afastamento em relação aos problemas sentimentais do idoso no decorrer do ano. Espera com esse evento  demostrar seu amor e preocupação por seus sentimentos oferecendo-lhe uma vez ao ano, a  oportunidade de se alegrar e comover ao rever parentes, familiares e amigos e ser por eles festejado, como se esse acúmulo de sentimentalismo pudesse suprir seu isolamento rotineiro. Esta minha afirmação não significa que eu considere esse afastamento um descaso, um crime ou uma omissão voluntária por parte da família mas simplesmente por considera- lo  um dos fatos naturais da vida familiar moderna. O próprio desenrolar das tarefas  da vida diária com os afazeres de cada um e a participação cada vez menor do idoso nas atividades da casa e fora dela vão naturalmente isolando-o cada vez mais dos acontecimentos do dia a dia.  Os filhos e familiares podem até perceber isso mas sem condições de administrar ou impedir esse crescente isolamento vão aceitando-o como normal e inevitável no ciclo da vida. Daí a ânsia de presentear seu idoso com um aniversário festivo ( para quem?) onde todos serão testemunhas de seu esforço e amor ao acompanha-lo alegremente até o fim de sua vida ( que procuram sempre deixar claro estar muito longe de seus pensamentos).  
O que aqui coloco diz respeito não só a mim como a todo e qualquer idoso pois tenho a certeza de que eles também o sentem mas não têm palavras e ainda que as tenham, seu amor-próprio impede a coragem necessária para expressa-lo. Isto, sem a menor ofensa e dúvidas quanto ao amor que as famílias tem por seus idosos, do mesmo modo que confio no afeto de meus filhos, netos e suas famílias, assim como de meus amigos, pois o têm demonstrado de muitas formas. O que desejo aqui, egoisticamente, é deixar claro o que penso em relação a essas festas para meus futuros aniversários ( que otimismo, não?) uma vez que todos sabem muito bem que nelas os  encontros acabam por se resumirem a um sorriso, um abraço sentimental com perguntas e respostas  "da boca para fora". Portanto, para mim é perfeitamente compreensível que a razão  natural desse íntimo impulso que leva a família a festejar tanto mais publicamente  quanto mais idoso for o seu aniversariante -  e que fica bem escondido no fundo de sua consciência -  é  a necessidade de dar uma satisfação aos parentes distantes e à sociedade representada por seus amigos e conhecidos. E essa  necessidade se torna tanto maior quanto mais conhecido e considerado for o seu idoso na comunidade em que vive.
Em minha opinião, o que essas comemorações acrescentam à vida do idoso não justifica todo o esforço da família e desgaste do aniversariante. Para começar, imaginem o trabalho de não se esquecer de convidar todos os membros da família, amigos e conhecidos até os mais distantes! Daí é que tem início uma verdadeira maratona para organizar e procurar  nomes completos, endereços etc., tudo dentro de um prazo razoável. 
Finalmente o coitado do aniversariante também começa a sofrer bem antes da data marcada. É  aconselhado pelos filhos a se apresentar socialmente muito bem arrumado de acordo com as circunstâncias o que já começa a lhe causar ansiedade pois está longe de seus hábitos de conforto e liberdade do viver costumeiro .  Em seguida é analisado fisicamente para conseguirem uma boa enganação com cabeleireiro, manicure, etc. uma vez que poderá encontrar-se com amigos, parentes e conhecidos que não vê há um bom tempo e ele não poderá ficar "por baixo" nas questões  de "conservação" e "juventude". Alem disso tudo, eu sempre percebi, por trás dessas festas,  um significado cuidadosamente escondido: o da despedida.  Todos os convidados sentem-se na obrigação de comparecerem ou apresentarem uma razão muito forte para não trazerem seus cumprimentos;  todo  sacrifício será pequeno para levar seu abraço porquanto poderá ser essa ocasião a última em que tal reunião com toda a família será  realizada com o aniversariante lúcido e em vida. Parece ser a intenção de guardar recordações ( para a posteridade ) que  leva muitas vezes a família a promover a organização de um belo álbum de fotos a partir da infância ( se possível começando com  o nenê peladinho ) até o momento do aniversário, com legendas e explicações. Diante da atenção de todos ele será exibido em uma grande tela para todos os convidados admirarem.
Se, em lugar de uma dessas festas  tipo comunitárias  que não me daria oportunidade de saborear devidamente os  encontros com parentes e amigos eu pudesse recebe-los na medida da possibilidade de cada um em pequenas reuniões com mais tempo disponível  -portanto mais satisfatórias para nós - eu ficaria,  assim como qualquer outro idoso, muito mais feliz alem de multiplicar as ocasiões dos encontros.
Uma sugestão para reuniões que substituem com vantagem as grandes festas de aniversários são os encontros que eu e  minhas irmãs resolvemos fazer periodicamente. Por iniciativa  de minha irmã mais nova, quando ficou viuva ela nos propôs: " Como nosso prazo de validade está vencendo, precisamos nos encontrar mais vezes; vamos marcar encontros a cada dois meses em casa de cada uma de nós  para passarmos uma semana juntas?" E assim começaram nossos encontros quando só conversamos, passeamos, comemos, dormimos, tiramos fotos que enviamos pela internet para os parentes e amigos acompanharem nossas"aventuras", enfim nos divertimos sem olhar para o relógio. Até dos remedinhos costumeiros nos esquecemos!  Nesses encontros nosso tempo poderá ser ainda suficiente para fazer algumas visitas a outros amigos e parentes nas proximidades, pondo, assim, as novidades em dia...  Por exemplo, num de nossos encontros fomos visitar o amor da adolescência de uma de minhas irmãs. O velho simpatissíssimo ficou tão feliz e alegre que disse ter sido a nossa visita a melhor coisa que lhe acontecera. Não é uma boa sugestão?  
Outra idéia é levar a cada momento conveniente ( e é bom estabelecer prazo, do contrário, com os afazeres nunca irá sobrar tempo) o idoso a visitar ou passar alguns dias em casa de um parente ou amigo que o convida sempre ( e isto sem esperar que ele fique doente e um parente o receba para ajudar). Também o vice-versa é válido, isto é, trazer seus amigos e parentes  para sua casa ( lógico, com muito critério para não sobrecarregar ninguém). Afinal, se ele não residir em sua própria casa, a casa onde ele estiver morando será dele também do mesmo modo que a sua sempre esteve à disposição de seus filhos e suas famílias.  Aliás, acho bom nós, os idosos de 80 a 90 anos - que não somos velhos porque o que é velho é descartável e não nos sentimos assim - acordarmos para a vida. Temos nossos direitos que foram conquistados, não dados. Portanto devemos dizer sempre o que pensamos e exigir o que é nosso por direito. Se você, idoso, quiser festa de aniversário, muito bem; mas exija ser consultado se deseja ou não. Talvez uma viagem seja mais do seu agrado e a família pode se reunir para oferece-la a você e um de seus filhos ou netos poderá  acompanha-lo. 
Finalmente, tudo que eu disse não significa que não possa haver encontros festivos em aniversários, mas é um alerta para observar e eliminar as características negativas aqui descritas. 
Espero que com os argumentos apresentados, meus filhos, netos e suas respectivas famílias tenham compreendido minhas razões para me sentir à beira do fim de meus dias só ao pensar em uma comemoração com esse tipo de festa em meu aniversário de noventa anos.
 Ao saberem disso,  meu filho e minha nora resolveram dar-me o seu presente de aniversário adiantado e diferente: uma viagem com eles à Europa. Vejam como eu ganhei na troca!!! Entretanto eu não fiquei muito animada. Com a vivência a gente vai se acomodando e embora eu tenha bastante atividade fora de casa, sair um tempo mais longo significa romper, durante um certo tempo, com uma rotina com a qual já estou acostumada.  Mas, conscientemente eu sei que me fará muito bem modificar meus caminhos e nunca me estabilizar demais em rotinas pois a mudança alarga os horizontes e isto é um verdadeiro alimento para a alma e o corpo... principalmente se essa mudança me levar à Europa! Assim, com um certo empurrãozinho  combinamos que a viagem seria de menos de um mês somente para conhecer a Suíça, terra dos pais de minha nora Patrícia e França, especialmente Paris onde reside minha sobrinha Claudia pois com ela já está sua mãe minha irmã Lysmaria à minha espera.  Portanto aqui estou eu na Europa, encantada, iniciando esta conversa para cumprir uma promessa à minha neta Aninha. Ela  pediu-me que escrevesse um diário sobre tudo que me despertasse interesse pois achava que seria muito bom conhecer pelos olhos de uma nonagenária ( bonito, não?) a nova-antiga Europa. Então, com meu ipad de prontidão, eu disse-lhe que faria um Diário de Bordo com fotos ilustrativas enquanto estivesse no Velho Mundo.
A narrativa de minhas aventuras com tudo que eu vi e  aprendi, assim como dos prazeres e
alegrias que experimentei, infelizmente não cabe num  texto para o blog. Pensarei numa maneira de coloca-la ao alcance daqueles que quiserem me acompanhar nessa viagem.
Hoje, após toda a movimentação do pós viagem, a retomada da rotina da casa, das atividades físicas e as conversas com colegas, amigos e familiares, estou terminando o relato prometido, com muito cuidado para não trocar nem esquecer nada e assim, sempre que quiser, poder encontrar intocáveis no texto e nas fotos as recordações desta viagem que representou  um belíssimo presente de aniversário.  Esta  narrativa terá mais de uma parte. A primeira,  esta  em que eu exponho e justifico minha opinião por não concordar com minha festa de aniversario, o que me valeu ganhar a  viagem à Europa.  Será o texto que colocarei em meu blog. Com esta e mais a outra ou outras partes,  sobre a viagem propriamente dita, com minhas observações e análises juntamente com as fotos, estou pensando em escolher uma dentre duas hipóteses: colocar em capítulos no blog ou fazer  um livrinho a ser publicado na internet  para ser vendido por um preço simbólico mas que será uma contribuição constante a uma determinada entidade assistencial - a ser escolhida - desta cidade. 
Precisarei pensar bem pois é possível que o  interesse esteja voltado para o relato da viagem onde várias situações curiosas e fatos interessantes pude observar e transmitir, vistos  da perspectiva de uma viajante comum sem os arranjos e objetivos turísticos.
Provavelmente iremos conversar sobre essa viagem no dia de meu aniversário de noventa anos ao lado de meus familiares que aqui residem e estiverem na cidade; algum outro que quiser vir para curtir uma visita; mais um ou outro amigo que comparecer por sua livre vontade e todos estaremos saboreando gostosos frios com queijos e salgadinhos encomendados prontos. 
Talvez eu faça uma maionese de que minha neta gosta e ela poderá fazer uma trufa, que é sua especialidade e eu gosto muito. E tudo  isso, sem dúvida, com um bom vinho e brinde para comemorar.
 
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