quinta-feira, 15 de novembro de 2012

Nossos Medos e o Poder para ser Feliz

Certo dia lí um livro que achei muito interessante. Nele encontrei uma abordagem de aspectos da vida humana -e do além da vida -os quais geralmente não procuramos analisar nem compreender. Trata da relação entre a luta do homem contra os medos e bloqueios envolvidos no existir e a busca da paz e harmonia a que chamamos felicidade. Realmente, observamos que em todos os temas abordados por escritores e pesquisadores sobre a vida humana no campo dos acontecimentos sociais, das religiões, das artes e da filosofia, sempre houve referências a situações de antagonismo. É a dualidade atávica das forças opostas que coexistem no homem e no mundo: corpo x alma, bem x mal, belo x feio, luz x escuridão e assim por diante. Independente da crença ou religião de cada um, o que Sylvia (a autora do livro do qual falo) mostra, julgo relevante para a reflexão de toda e qualquer pessoa. .Ela reúne situações importantes da vida humana e sabiamente isola e analisa aspectos cruciais da existência que definem as forças e fraquezas do homem enquanto ser vivo e ao mesmo tempo eterno. Distribui essas situações em dois grupos: o dos sentimentos que bloqueiam nossa visão da magia e dos milagres que nos aguardam no dia a dia e o dos medos que tolhem nossos esforços para encontrar o poder de ser feliz.
O que pretendo é analisar alguns desses aspectos e mostrar a sua importância para a vida de todo indivíduo. A fim de que o leitor deste texto possa ter em mãos a obra da qual falo e não conhecer seu valor apenas através de meus olhos e pensamentos, aqui vão as indicações para encontrá-la: Browne, Sylvia e Lindsay Harrison; O Outro Lado da Vida: um guia psíquico para o nosso mundo e o outro- Rio de Janeiro; Sextante, 2000 .

Magia e Milagres de todos os dias : Eles estão à nossa volta mas para vê-los precisamos aprender a compreender e a lidar com alguns sentimentos que os bloqueiam. Por exemplo:

- A Monotonia - Tudo o que é novidade ou diferente causa alegria, surpresa, expectativa, interesse, enfim, motiva para a ação. A repetição conduz à monotonia, ao alheamento, ao desencanto. O hábito e a repetição são exemplos da monotonia que levam ao desinteresse. Para combater a monotonia, ao observar a sua aproximação devemos modificar a rotina substituindo-a ou introduzindo coisas novas que tragam alegria e bem-estar a nós e a outros pois estes voltarão para nós. A monotonia pode explicar a queda na qualidade de um trabalho profissional repetitivo e na saúde do trabalhador assim como o aumento da produtividade e da disposição dos funcionários com a introdução de programas de atividades físicas e sociais.
- O Sentimento de Culpa -Alguma coisa que fizemos ou deixamos de fazer pode causar tristeza e sentimento de culpa os quais nos afastam do convívio social. Por exemplo quando ofendemos alguém, muitas vezes sem intenção, podemos desencadear longos desentendimentos e mal- estar em ambas as partes, ainda que os motivos iniciais tenham-se perdido no tempo. Há pessoas que têm sentimento de culpa doentio por tudo e por todos. Por comer bem com tanta gente passando fome; por morar em um lar confortável quando há tantas pessoas sem teto, e assim por diante. Ela está sempre ressentida e amarga quando deveria pensar em como é feliz por ter condições de contribuir para a alegria e felicidade de outras pessoas.
Em todos os casos a culpa afeta a auto- estima, causa tristeza e afastamento. É preciso livrar-se desse sentimento, por exemplo combater um falso amor-próprio e procurar honestamente encontrar as razões da ocorrência e desculpar-se. Pode ter a certeza de que sairá mais forte, mais livre e mais grata a si própria e à pessoa ou pessoas envolvidas na situação.
Enfrentar o sentimento de culpa é canalizar a força desperdiçada e maximizar as chances de criar magia e milagres na vida diária. Olhar a vida de frente é procurar ser feliz e fugir, sim, do negativismo das pessoas que não nos fazem bem ou tentar modifica-las. Garanto que sua saúde vai agradecer pois corpo e mente estão interligados ; sentir- se culpado deixa doente enquanto a alegria melhora a disposição e a saúde.
- As Crendices e Superstições - são influências negativas que bloqueiam nossas forças positivas naturais dirigidas para a alegria e a felicidade.
Todas as pessoas já "sentiram" uma impressão boa ou má em algum objeto. Por isso eles foram desde épocas antigas utilizados na forma de amuletos para trazer boa ou má sorte. Para aqueles que acreditavam, os amuletos realizavam desejos ou maldições pois essas pessoas estavam predispostas a isso. Quando um objeto preparado para agradar nos chama a atenção, uma oferta milagrosa de utensílios de cozinha, por exemplo, deixe que sua intuição e atenção examine o que deseja comprar antes de dar a última palavra. Pois se o adquirir no entusiasmo do momento pode acontecer que não entenda por que toda comida sempre queima naquela panela. Ou ainda você pode não explicar por que coisas alegres acontecem e a sorte a acompanha quando está com certa roupa ou certo objeto pois ela ou ele a deixa bonita , alegre e confortável.
As pessoas também parecem trazer sorte ou azar, provocar simpatia ou mal-estar. Exemplos do poder da crendice e da superstição são a maldição e a possessão. Fuja dessas forças negativas e da sua cura pois elas sempre têm por trás pessoas mal intencionadas e criminosas. E você mesmo pode se exorcizar ou exorcizar algum coitado fragilizado criando com a alegria e a fé uma barreira do bem mais poderosa do que o mal. Como diz Sylvia, a verdade é que a única pessoa que pode te fazer mal é você mesmo ou aquela a quem você der esse poder.

Os Dez Medos em nossa Vida : A autora salienta dez formas que o medo assume e chama a atenção para a sua ação destrutiva, como nos isola, reduz o nosso mundo e nos afasta da nossa dignidade e oferece exemplos de casos que mostram como combatê-las.

- Rejeição e Abandono - Ambos estão profundamente relacionados. O medo da rejeição e/ou do abandono pode prejudicar os relacionamentos de uma pessoa durante toda a sua vida. Tanto pode levar um indivíduo a se isolar para que ninguém mais lhe cause dor ou sofrimento como pode conduzi-lo ao apego exagerado a alguém sufocando-o. A diferença entre esses dois medos- rejeição e abandono - é o mesmo que entre o afastar o outro ( mandar para longe) e o afastar-se do outro (ficar longe ). Por exemplo, não querer uma pessoa em sua casa é rejeitá-la afastando-a da sua vida; tirar uma pessoa de sua casa para morar em uma casa de idosos pode ser sentido como um abandono, um afastar-se dela. E o abandono ( quando os parentes não mais a procuram) pode ser sentido como rejeição pela pessoa deixada só. Em ambos os casos existe o "adeus" a ausência sem data para retorno.
- Fracasso e Sucesso -Todos nós sentimos as consequências do fracasso e do sucesso com maior ou menor intensidade no decorrer de nossa vida. De início os fracassos são os "nãos" que uma pessoa recebe, a desaprovação em situações em que se esperava aprovação. Quando não se referem a aspectos importantes de nossa vida fazem parte da cadeia de acontecimentos na rotina diaria. Na medida que afetam aspectos profundos ou cruciais da vida podem provocar sentimentos de rejeição e abandono. Podemos dizer que o sentimento de rejeição e de abandono são a interiorização do fracasso. Um pessoa não está triste e deprimida somente porque não mora com sua família. Até pode entender a sua incapacidade(fracasso) de se cuidar e de participar do convívio e atividades normais da família mas se sente abandonada porque está longe de seu ambiente usual de vida e esse abandono dói porque é sentido como rejeição das pessoas que "davam vida" a esse ambiente, portanto, davam significado a sua vida.
Enquanto o fracasso e o sucesso são facilmente compreendidos porque vêm " de fora", a rejeição e o abandono são mais devastadores porque vêm " de dentro", de uma reação emocional complexa a um fracasso.
O fracasso, assim como o sucesso, estão enraizados na relação entre o sujeito e seu objetivo, na sua incapacidade ou capacidade para vencer os obstáculos e alcançar o que deseja. Daí a importância da análise e da ponderação da sua capacidade de um lado e de outro, do valor do objeto de seu desejo para a sua vida antes de tentar alcançá-lo. Isso lhe dará condições de maximizar suas possibilidades de sucesso, ou seja, de nunca procurar "alcançar as estrelas".
- Traição - É outro " monstrinho" que em cada esquina de nossa existência perturba a harmonia e o prazer de viver.
Ela ocorre nas relações interpessoais e se traduz por uma emoção ou sentimento de revolta e desprazer em resposta a uma ação contrária à esperada. Sendo uma emoção, ela decorre muito mais de uma interpretação do que da compreensão e sua intensidade depende do tipo de sentimento afetado por ela. Assim, uma pessoa pode sentir-se traída quando sua melhor amiga ou amigo faz uma nova amizade pelo medo de perder a segurança e o apoio que ela sempre lhe ofereceu e pode igualmente sentir-se traída em seu casamento. No primeiro caso a compreensão e a recuperação são mais fáceis do que no segundo. Neste caso o sentir-se traído ou traída é tão complexo, abrange tantos aspectos da vida e das emoções que frequentemente afeta a saúde física e mental por um período de tempo. Em vários outros casos o sentimento de traição pode nem ser reconhecido pela consciência, sentido apenas como um mal- estar como se algo não estivesse certo. Por exemplo uma mãe dizer à sua filha que ela nasceu para ser dona-de- casa quando ela tem outros sonhos para sua vida.
E ainda há a auto- traição quando você estabelece para si limites muito abaixo da sua capacidade( julgar-se sempre incapaz) ou muito acima ( julgar-se dono da verdade ou do mundo). Em ambos os casos significa viver fora da realidade, trair-se a si mesmo.O interesse pelo conhecimento de si próprio e dos outros ( não a curiosidade interesseira) pode nos dar a verdadeira dimensão do valor das nossas aspirações e da humildade.
- Solidão - O sentir- se só é um sentimento que está ligado a todos os medos dos quais falamos e outros mais. Vemos a solidão como o medo maior, o que está no núcleo de todos os medos. A solidão assim como a sua cura não depende da presença ou ausência das outras pessoas; ela está dentro de cada um independente de estar ou não rodeado por pessoas. Portanto, solidão não é estar sozinho; você pode estar sozinho e não sentir solidão e estar com muitas pessoas e sentir-se solitário. Somente você pode preencher sua solidão. Ela explica porque a esposa embora maltratada pelo marido se recusa a abandoná-lo desfazendo a família. Mas a solidão não pode ser curada simplesmente tendo pessoas perto. Em lugar de atrair pessoas que às vezes você nem aprecia, por que não começa por apreciar a si mesmo? Você já deve ter observado que a pessoa capaz de estar bem consigo própria escapa da solidão pois cada vez mais pessoas procuram a sua companhia. A solidão torna uma pessoa amarga e depressiva e faz os demais não se sentirem bem a seu lado.
Procure se conhecer, conhecer os outros e o mundo fazendo perguntas sobre tudo que acontece, os interesses das pessoas, o que antes você gostava e agora está esquecido e deve ser lembrado, procure velhos amigos, atividades de lazer e cultura, oportunidades de ajudar alguém, etc. Participar é viver, ficar na solidão é morrer.
- Doença - Todas as pessoas tendem a aumentar seu medo da doença com o decorrer da idade . A criança nem quer saber da existência de doenças, o jovem não se interessa por conhecer as suas causas e consequências, o adulto procura conhecer e se precaver delas sempre que for possível, o idoso frequentemente tem fobia e muitas vezes fica hipocondríaco em relação a muitas formas de doença . Entretanto com idade bem avançada observamos uma tendência para o idoso se desligar das preocupações com as doenças, esquecer-se de médicos e de medicamentos.
Elas podem ser vistas como parte natural da nossa experiência de vida, um desafio para aprendermos a superá-las tanto física quanto emocionalmente.
Há pessoas para as quais as doenças constituem assunto obrigatório em todas as conversas. Ficar falando, sempre que puder introduzir na conversa, que não se sente bem é dizer ao seu corpo para estar ou para ficar doente.
Várias religiões, filosofias de vida e até mesmo o bom senso mostram os benefícios de certos rituais e exercícios para manter e proteger a saúde e até mesmo para ajudar na cura de muitas doenças.
- Velhice - Ninguém pode impedir o aumento paulatino de sua idade cronológica, mas pode impedir certas consequências ou retardar o envelhecimento, isto é, o aparecimento das características socialmente esperadas da velhice. Em outras palavras, uma pessoa pode recusar- se a se identificar com a velhice sem que isto signifique negar suas condições orgânicas e mentais. Se continua a gostar de música e dança, deve procurá-las; entretanto não deve, só para não ser vista como velha, se violentar física e moralmente forçando-se a cultivar músicas modernas tão a gosto de certa clientela adolescente ou entregar- se a malabarismos para acompanhar as danças coreográficas dos jovens modernos. Deve procurar as atividades que lhe façam bem. Ocupar o corpo e a mente com planos, projetos e atividades físicas e sociais é a única maneira de viver plenamente a sua Idade de Vida qualquer que seja a sua Idade Cronológica.
- Perda - Assim como o ganho, a perda faz parte de nossa vida. São valores opostos portanto provocam reações opostas. Se ganhar é bom, traz alegria, satisfação, acrescenta algo em nossa vida, todos a desejam. Em contrapartida, todos temem perder pois algo é retirado de nossa vida e isso significa uma redução o que traz tristeza e medo.
Ninguém quer perder e por isso é tão difícil dar, doar, entregar algo pois todos sentem como se o dar fosse sempre perder para alguém. Para o homem, seja ele criança, adulto ou idoso, o doar sempre tem significado de redução, perda, enfraquecimento.
É preciso pensar gestalticamente, isto é, esquecer a lógica da perda como de uma ou mais das partes que compõem o todo, das sobras numa subtração e de pedaços resultantes da divisão e pensar na forma e qualidade do produto dela resultante. Então veremos que dar não é sempre perder porque o que é dado volta maior e melhor. Por exemplo, quando damos amor não perdemos, recebemos mais amor; quando usamos nosso tempo com trabalhos para a família e para os outros ganhamos muito mais do que gastamos em carinho, respeito e saúde. Até quando recebemos de volta a maldade, a ingratidão, a injustiça, aumentamos nossa paciência, aprendemos a compreender e ganhamos experiência.
Como explicamos, então a perda por morte? É triste, sim, traz sofrimento pela ausência da presença física de todos os dias, do apoio em todas as horas, de uma parte da nossa vida. Mas ainda assim podemos encarar essa perda que na verdade tem origem emocional uma vez que racionalmente ninguém pode negar que é um fato esperado para todo ser vivo. Sentimos essa perda como abandono, solidão, um vazio que a fé e o tempo - se houver - se encarregarão de preencher.
- Morte - Este medo é tão geral que é denominado angústia universal. Está centralizado no sentido que a morte encerra de ser um fim definitivo, do " nada" além dela e se expressa na interrogação que fica em todas as mentes: " existe algo após a morte?"
Este medo só pode ser enfrentado pela fé e pela crença de que ela não é um fim, de que depois dela existe algo, uma outra vida, dimensão, outro lado, eternidade, céu, e outras tantas denominações dadas a um reino eterno e a um Deus que é também Pai e que não abandona seus filhos. A maioria das religiões está fundamentada na crença da existência de Deus e de Seu poder para criar e administrar um mundo que parece estar cada vez mais perdendo sua perfeição original. Enquanto o homem não for capaz de explicar e provar com os princípios das ciências humanas os milagres da natureza e da vida, do corpo e da mente do homem, a crença em Deus - Poder e Perfeição Absolutos - permanecerá. Assim terão sentido e significado a vida e a morte como algo transitório e necessário para o homem alcançar, além da vida, seu objetivo maior de perfeição absoluta de paz e harmonia.

Acabou? E onde está a famosa felicidade? Não foi colocado seu endereço e nem o caminho para lá chegar! Sabem por que? Esse endereço não existe. Ela não consta de um GPS porque não está fora de nós mas dentro de cada um e o caminho para alcançá-la está na maneira como o ser humano se relaciona consigo mesmo, com os outros e com o mundo.
Somos felizes quando damos e recebemos amor, alegria e respeito de nossos familiares e amigos, quando vemos a felicidade de um velhinho com o qual passamos meia hora ouvindo suas experiências de vida, com o sorriso alegre de uma criança ao receber um presente no Natal, com o nascimento do primeiro e de cada um de nossos filhos, quando com nosso trabalho conseguimos pagar a última prestação de uma conta ou ainda quando conversamos com um amigo no banco da praça. Portanto, em todas as situações de nosso dia a dia o milagre da felicidade pode estar aguardando o momento de ser encontrado mas ela nunca será definitiva pois o caminho para ela deve ser construído diariamente.
Quando olhamos para traz podemos ver os milagres e alegrias que criamos e encontramos muitas vezes sem lhes dar valor. Pense quantas coisas boas aproveitamos e quantos sofrimentos nos deram oportunidade de aprender! Quando ambos significam crescimento, só podemos agradecer e procurar contribuir para o crescimento dos que nos são caros.
Então podemos dizer que a vida tem como componente mais valioso a fé que nos dá o poder para vencer a escuridão do medo e na luz encontrar a magia dos sinais da felicidade em cada um de nós.

quinta-feira, 1 de novembro de 2012

Casamento, Mito e Rito

Dia 20 de outubro deste ano de 2012. O casamento de minha neta!
Já assisti a tantos casamentos em minha vida e tive até o meu próprio sem nunca questionar tal fato! Finalmente decidi que é tempo de pensar mais profundamente na importância de um acontecimento que tem perdurado através do tempo e existe, ao que se saiba, em todas as culturas. Se eu puder encontrar as prováveis razões de sua existência e permanência até hoje, talvez seja possível compreender melhor a sua necessidade e importância na nossa vida.

Se, inicialmente, considerarmos o casamento a escolha e aceitação de um companheiro ou companheira para uma vida em comum, ele poderá ser visto como um compromisso de aceitação também das normas impostas pela sociedade e pela religião para concretizar essa união . É, pois, a sanção do estado e da igreja, a resposta esperada para uma necessidade que surge com o próprio aparecimento da vida. Neste sentido ele pode ser entendido como uma narração mítica ou sobrenatural dessa força primordial que une um casal através de ritos sociais e religiosos. Por tais características o casamento tem um caráter mágico ou mítico que empresta poderes e qualidades aos personagens do ritual e suas ações. Nas sociedades antigas o mito era a estrutura básica da organização que mantinha a ordem social. Talvez esse caráter mítico do casamento esteja ligado ao fato de a família ter sido sempre considerada a célula básica da sociedade.

O mito e o rito são, pois, altamente conservadores. O casamento como mito pode ser considerado uma representação da força natural a todo ser vivo dirigida à sobrevivência da espécie, cuja origem está na magia, no sobrenatural, pois não há explicação racional para o seu surgimento.
Uma vez que as técnicas racionais não explicam tal força natural que possibilita a continuidade da espécie através da reprodução, os ritos aparecem como técnicas de magia ou religião que visam o controle dessa força a fim de que ela seja mantida dentro dos modelos míticos estabelecidos. Assim, o mito é o coração do rito, sua estrutura significativa. Ambos são faces de uma mesma realidade. O casamento adquire significado primordial no mito, isto é, a manifestação de uma necessidade natural inata, não só humana, enquanto o rito é sua expressão social que pode variar de acordo com a época e a cultura.

Mas, enquanto ser vivo como tantos outros no universo o homem nasce com esse impulso para a sobrevivência, diferentemente dos outros seres nasce também com uma consciência que lhe dá a dimensão de si próprio, dos outros e do mundo. Por isso ele procura no casamento não só uma sanção espiritual e social para, com uma nova família, participar da comunidade como também espera dele o poder mágico de um sustentáculo sobrenatural ( caráter mítico do amor) para a vida futura do casal.
Alem disso a consciência dá, a cada um, a capacidade de manter a sua identidade no decorrer de toda a sua vida, de reconhecer-se como sempre o mesmo e diferente dos demais. Tais características compõem a personalidade de cada indivíduo.
Mas, ao mesmo tempo que a consciência marca a evolução do homem e o diferencia das outras espécies animais, ela inclui uma capacidade crítica que, na vida conjugal, permite ao casal redefinir valores, hábitos e principalmente repensar até que ponto uma restrição do direito de cada um à sua total liberdade pode afetar o equilíbrio das relações e a harmonia no casamento. A discussão e análise das diferenças individuais decorrentes da personalidade de cada um e das necessidades pessoais oriundas de hábitos e costumes anteriores tendo em vista o conjunto familiar como ponto de convergência da preocupação do casal, torna possível a conscientização crítica e a busca de soluções satisfatórias para os problemas que surgem.

Grande parte desses problemas, decorrências da própria evolução social com as mudanças nos valores, usos e costumes, influenciaram as maneiras de ver e tratar muitas das tradições da cultura que foram sendo modificadas. Com isso, muitos desses valores começaram a fugir ao controle dos poderes que antes os moldavam, principalmente aqueles míticos fortemente ligados ao poder religioso.

Assim começaram a fugir cada vez mais ao controle religioso o casamento e a natalidade, duas forças nas quais se baseia a estrutura da sociedade. Se o mito não pode desaparecer, ele pode ser modificado, renovado e reatualizado através dos rituais e da evolução das culturas. A modificação de um mito principalmente como o casamento, tão enraizado nas tradições sociais, leva fatalmente em seu processo a desordens e desorganizações na estrutura familiar com reflexos na organização social.

Por razões desta natureza, pouco a pouco o estado vem, cada vez mais,assumindo certos poderes com a finalidade de corrigir distorções na estrutura familiar causadas pelas próprias mudanças que o progresso vem imprimindo na sociedade. Por exemplo, hoje o estado facilita as condições para o divorcio, a segurança da família no caso de separação dos cônjuges assim como os direitos dos membros daquela família que se formou independente do casamento.
A religião também tem procurado se atualizar, mas em ritmo muito lento frente às exigências sociais. Por exemplo, Jean Yves Leloup, doutor em psicologia e sacerdote hesicasta, (uma linha do cristianismo voltada para a paz -"hésychia") defende essa linha que é mais discreta, menos dogmática, voltada para a meditação e a prática de uma oração que busca conectar o seu praticante com a Origem, através de uma intimidade com a Fonte à qual Cristo denomina Pai.

A separação entre estado e igreja - por vezes oposição - dificulta a harmonia no processo da evolução social. Ambos parecem ver o homem dividido em partes isoladas como corpo e alma, matéria e espírito e, ainda mais, consideram essas partes antagônicas. Isto parece ser, a meu ver, um dos grandes obstáculos para a harmonia dos homens entre si e com o estado.
O homem é uno em suas características e esse conjunto forma a sua personalidade que lhe permite reagir ao mundo como um todo. Ele faz parte de um mundo que também é uno e inclui, como um todo, os seres e a própria natureza. Então por que compartimentalizar o homem, seus pensamentos e as ciências que levam ao conhecimento de si próprio e do mundo?

Parece haver hoje uma clara e generalizada tendência no mundo contemporâneo a fim de resgatar o valor do mito e do rito em todas as grandes tradições do pensamento. Uma valiosa contribuição para isso pode estar em uma abordagem interdisciplinar que representa a necessária dialogicidade da ciência com a arte, a filosofia e a tradição espiritual. A transdisciplinaridade que impede a tradicional compartimentalização dos conhecimentos e das atividades humanas está sendo considerada por grandes estudiosos da pós-modernidade e tem produzido valiosos documentos através do Fórum da Ciência e da Cultura da Unesco. Esses estudos estão focalizados nos quatro pilares de uma educação transdisciplinar: educar para conhecer, para fazer, para conviver e para ser.
E sabemos, de sobejo, que qualquer interferência com vistas a mudanças na sociedade terá, necessariamente que começar pela educação das novas gerações, principalmente em seu contato com os valores culturais tradicionais.

Enfim, tal como desde o início, o casamento guarda seu valor mítico e se mantém como um rito festivo de união, de fortalecimento dos laços familiares, de reunião de parentes e amigos que, por vezes, não se encontravam há muito tempo. Neste ritual os noivos se comprometem perante seu Deus e seu país a constituírem uma família digna desse Deus e da sociedade. É um momento mítico em que todos unem suas preces e desejos a fim de que, como forças mágicas, as virtudes desejadas acompanhem o casal por toda a sua vida.

Uma nova esperança pode, então, ser colocada nos novos casais quando, melhor preparados para administrar as mudanças que ocorrem no mundo, fizerem de seus lares centros de harmonia e de seus filhos sementeiras de uma nova cultura global para o homem sem discriminação de raça, credo e religião.
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Entretanto, a discussão do tema proposto neste texto abordou apenas alguns aspectos gerais deixando de lado muitas questões particulares importantíssimas que não puderam ser tratadas aqui e agora. Citaremos como exemplo duas por serem cruciais : A primeira seria uma abordagem descritiva e analítica, sem ser crítica, do impulso humano, ao que tudo indica tão natural quanto os analisados anteriormente, de buscar, através do casamento, um companheiro ou companheira do mesmo sexo. E, dentro disso, qual seria o papel da paternidade sem o acasalamento. A segunda questão seria o estudo objetivo e analítico das relações da homosexualidade com o estado e as religiões.
Para tal abordagem pode constituir uma rica fonte de informações a mitologia ocidental e oriental, assim como a indígena. Seria uma análise que incluiria, como um todo, as contribuições de todos os campos de estudo do homem e seu mundo.
 
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