sexta-feira, 22 de março de 2013

Terceira Idade: Começo ou Recomeço?

Recentemente fui contatada por um repórter de um Jornal da cidade a respeito de minha interferência em um problema da comunidade. Ele fez algumas perguntas por telefone. No dia seguinte, para minha surpresa, recebi outro telefonema desse repórter solicitando uma entrevista pessoal para uma matéria sobre a minha vida. Fiquei muito surpresa! O que teria minha vida de interesse para estranhos? Minha vida sempre foi, a meu ver, muito comum... teria algo diferente? Eu já estava preocupada, me sentido meio fenômeno... e eu nunca joguei futebol... Enfim acabei concordando em receber o tal repórter para vê-lo, saber o que era ser entrevistada e para que.
Chegaram - pois junto veio um fotógrafo. Conversamos um pouco, eu meio sem graça perante os olhos - do fotógrafo e da máquina - sobre mim. Mas o repórter, muito fofinho e gentil logo me deixou à vontade e após mil e quinhentas informações sobre a minha vida, despediram-se e foram embora, tendo me convencido da importância de depoimentos de vida como uma troca de informações para pessoas com faixa etária aproximada à minha, isto é, da chamada Terceira Idade para a frente ( não conheço uma definição de onde começa e termina a terceira idade e o que vem depois) .
Depois comecei a pensar e a tentar encontrar alguma coisa na minha vida que pudesse contribuir para a experiência e talvez a vivência de outras pessoas. Talvez fosse importante para muitos idosos, assim como para suas famílias e outras pessoas que com eles convivem o fato de eu ter oitenta e nove anos, ter uma vida plena ( até certo ponto), com atividades usuais para outras idades menos avançadas, tanto dentro como fora de casa; viver sozinha ( com meu cachorro ) ; praticar atividades físicas em exercícios tais como alongamento, pilates e tai chi chuan assim como utilizar o melhor meio de pensar, me divertir e estar em dia com pessoas e notícias do mundo que é a internet, através de um ipad.
De tanto pensar comecei a tentar identificar, no emaranhado de meu passado e presente, elementos que poderiam ter sido fatores responsáveis por características psico-biológicas e sociais que explicariam meu tipo atual de vida.
Sim, acho que, analisando várias situações de minha vida, posso vislumbrar alguns padrões de comportamento, tanto meu como de minha família, parentes e amigos que, por assim dizer, " cunharam ", isto é, definiram as minhas condições físicas e atitudes atuais.Então procurei isolar esses fatores e verificar suas relações com o as características, tidas como boas, de minha vida.
Essa reflexão me mostrou que as inúmeras experiências de vida pelas quais passei estavam, de certo modo, atreladas aos mesmos fatores os quais, em última análise, é que pareciam explicar meu comportamento.
A primeira constatação que fiz foi que no decorrer de toda a minha vida eu enfrentei muitas situações de desafio. Até aí nada de novo, pois viver para todo mundo é lutar. Porém, para mim, para vencer esses desafios, eu tinha que lutar sozinha; não tinha alguém que resolvesse as dificuldades por mim. Também até aí a minha situação era a mesma de muitas outras pessoas em nossa sociedade. Mas eu sempre tive a meu lado minha mãe, que compartilhava comigo meus problemas e dificuldades, me apoiava em minhas iniciativas e incentivava. Também tive uma tia que me criou e sempre me ajudou nos trabalhos de casa para cuidar de minha família. Portanto nesse aspecto familiar nunca me faltou um ambiente onde eu me sentisse segura e confiante para enfrentar os problemas que encontrava. E aí pode estar uma diferença entre minha vida e a de outras pessoas. Eu sentia os problemas, antes como desafios que eu teria de encontrar meios de vencer, sem me acomodar para não ser vencida por eles. Assim, eu sempre enfrentei as dificuldades como lutas, as vezes tão violentas e desgastantes que eu pensava não suportar. Mas sempre me levantava, mesmo porque nunca me achei com direito de "passar o bastão"; e nem tinha para quem! Desse modo, meus filhos foram criados dentro de meus princípios e os de meus pais, de honestidade ( em primeiro lugar para consigo próprio ), de trabalho (pois quem não souber fazer, não pode saber mandar ), de economia ( trabalhar para ganhar é fácil, o difícil é saber gastar, isto é, administrar o que ganhou) e de Fé ( a crença de que nossa vida é um empréstimo que um dia teremos de devolver com o mesmo e talvez maior valor) .
Creio que essa foi a situação que" temperou " a minha resistência até os dias de hoje. Mas chegamos agora ao que realmente nos preocupa: a tal da Terceira Idade!
A meu ver, o que caracteriza essa " faixa etária " é a sua coincidência com a passagem de uma situação socio-econômica de vida produtiva, chamada profissionalmente "ativa" para outra caracterizada por uma aposentadoria e denominada profissionalmente " inativa" . É nessa época que algumas mudanças drásticas ocorrem na vida humana. Tais mudanças dão ao idoso a falsa ideia de " fim de vida" ou "espera da morte". De qualquer modo se caracteriza, dentre outras, pela angústia, sensação de insegurança, sentimento de humilhação e inferioridade perante outras pessoas, como se a aposentadoria fosse seu primeiro atestado de incapacidade para trabalhar e produzir, para continuar a fazer parte, de igual para igual, de seu grupo de amigos. Daí, como um balão que se esvazia, toda aquela euforia que acompanhou a espera da aposentadoria para começar uma vida nova, fazendo tudo que quisesse e quando tivesse vontade, desaparece diante da grande pergunta: E agora? O que farei com todos os meus dias? É um sentimento de vazio como se nessa nova etapa da vida o idoso estivesse começando a "sobrar". Não faltarão, então, os conselhos de amigos e até da própria família para as viagens, serviços comunitários, ajudas voluntárias, círculos de trabalhos manuais e grupos de encontros para carteados, bingos e por aí afora. Para os homens essa fase da vida ainda é mais dramática pois a sua atividade econômica fora de casa é quase sempre a única forma de atividade que ele conhece e, neste caso, perde-la é como perder a própria vida, enquanto para a mulher ainda restam os afazeres da casa.
Nessa época, também, é a primeira vez que a família começa a se perguntar: o que farei com minha mãe, pai, ou o idoso que, afora o aspecto financeiro, provavelmente deverá passar a ser meu encargo?E começa a acordar para a idéia de um futuro no qual sua mãe, pai ou parente, que até aquele momento era independente e a auxiliava, irá, provavelmente, precisar contar com a sua ajuda. Então, insensivelmente, a maneira de tratar o aposentado, idoso ou " portador" de terceira idade, vai-se modificando e se tornando, as vezes paternalista e outras vezes impaciente; e ser objeto de piedade é, para o idoso um verdadeiro castigo, vexame e humilhação. Os resultados serão, evidentemente, o aumento da insegurança pela perda paulatina de uma auto-identidade construída ao longo dos anos e um distanciamento crescente do mundo como forma de auto-defesa para fugir às, cada vez mais frequentes, situações vexatórias.
Para mim, é nessa fase e por tais circunstâncias psico-sociais que as características de desgaste físico e mental da chamada terceira idade não só aparecem mas vão se acentuando como sinais de velhice. Eu, pelo menos, não tenho notícia de provas científicas de que o aparecimento do desgaste físico e mental do idoso se deva exclusivamente à idade cronológica. O que eu sei é que o surgimento ou a acentuação rápida desses sintomas ou de doenças a eles relacionadas tais como o mal de Alzheimer, a esclerose, dentre outros, são com muita freqüência precedidos de traumas, sofrimento físico e/ou psicológico ou grandes tristezas.
Por que, então, não buscar conhecimentos ou procedimentos que sejam capazes de dar ao indivíduo que se aposenta ou que " entra na terceira idade", melhores condições de vida a fim que ele possa continuar a ser, por mais tempo, um elemento útil a si próprio, à sua família e à sociedade? Penso que seria não só possível como desejável porquanto a população da chamada terceira idade tende a aumentar em quase todos os países do mundo e fatalmente deverá lutar para encontrar seu lugar de direito nas sociedades modernas. Atualmente a situação do idoso é tão grave que já faz parte do planejamento familiar a escolha de local para onde deverão ser encaminhados os seus idosos à medida em que se fizer necessário, ou seja, a partir do momento em que os seus cuidados ameaçarem interferir com a necessária rotina familiar.
Creio que é possível, também, o aproveitamento social e intelectual do idoso uma vez que estejamos convencidos de que sua capacidade intelectual não está perdida e, sim, guardada, escondida muitas vezes dele próprio, esperando apenas o aceno de um reconhecimento para surgir. Algumas sugestões, a título de prevenção, com base em minhas observações e experiências de vida, bem poderiam ser as seguintes :
-ajudar o idoso, aposentado ou não a encontrar uma atividade, remunerada ou não, que preencha produtivamente as horas de seu dia configurando uma rotina;
- considerar o idoso sempre incluído, como membro ativo e participante, nas atividades e problemas familiares de modo a que ele não se sinta solitário nem rejeitado. Para isso não deixar que os familiares se esqueçam de utilizar formas de tratamento afetivas e respeitosas tais como ouvi-lo e demonstrar interesse por suas opiniões sempre que for solicitado, trata-lo sem paternalismo nem impaciência e sempre que possível cobra-lo da mesma maneira que aos demais; esperar sempre que ele faça sozinho o que ele próprio se julgar capaz, ou incentiva-lo para que assuma posições e tome decisões mantendo seu conceito de auto-suficiência e independência;
- auxilia-lo, com camaradagem, a encontrar atividades para exercícios físicos a fim de que se mantenha em boas condições para a vida, o trabalho e o lazer;
- motiva-lo para frequentar ambientes culturais, de lazer e de convivência social, a exemplo do SESC, onde possa fazer amigos;
- despertar seu interesse por ambientes de atividades que incluam uma filosofia de vida capaz de exercitá-lo na calma, harmonia e equilíbrio de corpo e mente, a exemplo do tai chi chuan e linhas correlatas da medicina chinesa;
- dar- lhe o tempo necessário para produzir suas respostas aos desafios, lembrando -se de que, se elas não são imediatas, serão mais sensatas, criativas e profundas tendo em vista a riqueza de suas experiências de vida.
Apesar de todas essas sugestões parecerem exageradas, como se demandasse muito tempo e energia da família, não é realmente o que ocorre. A maioria dessas atividades são usuais entre os familiares e requerem apenas a sua participação, renovação ou a iniciação de hábitos, muitos antes já existentes. E os resultados deverão ser tão surpreendentes que valerão todos os cuidados e o tempo gasto.

Para finalizar, desejo repetir aqui uma observação de minha neta que nela me levou a refletir pela primeira vez: "a morte é um fato e, por enquanto, não um problema, então devemos aceita-la como tal porque ainda não tem solução." Enquanto houver nascimentos haverá mortes. Citarei também uma frase de minha mãe para explicar a continuidade da vida, em seu livro " A Grande Viagem": "O riso e a alegria das crianças são a âncora que impede o amanhã de fugir para a eternidade".
Devemos ter a esperança de que na Terceira Idade o homem continue sendo capaz de produzir estórias que alimentem seus sonhos e fantasias e os transformem em trabalhos e realizações registradas em sua história de vida.


 
;