terça-feira, 27 de agosto de 2013

Aquele Presente de Aniversário!

2013! Neste ano, em novembro eu completarei - se tudo correr bem - noventa anos.
Ao perceber em meus filhos alguns indícios e sugestões indiretas sobre alguma coisa a ser feita em meu aniversário, resolvi abrir o jogo e avisa-los com antecedência de que não concordaria com nenhuma comemoração festiva e reunião de toda a família e amigos naquela data. Justifiquei apresentando inicialmente duas razões: a primeira é que a meu ver, a partir dos oitenta anos, todo aniversário deveria ser uma ocasião de alegria e paz para o aniversariante. Só a organização de tal festa para ele  já seria motivo de preocupação e estresse pois não teria mais  disposição nem estaria motivado a participar da preparação de um evento desse tipo. Se para poupa-lo a família lhe dissesse para não pensar nisso e deixar tudo em suas mãos, ele se sentiria amargurado e excluído dos acontecimentos como inútil.  Outra solução diferente poderia ser a escolha de uma dentre algumas alternativas muito comuns em aniversários. Por exemplo, poderia  ser escolhido um local - rodízio," crêperie" ou outro restaurante típico - onde cada  convidado pagasse a sua consumação e o aniversariante, afora o bolo e o "parabéns a você" seria apenas mais um convidado.  Para mim, uma " festa"  dessas seria de péssimo gosto!  Ainda que fosse contratado um buffet com local para a festa o aniversariante teria de enfrentar em um ambiente de formalidade banal e apressada os cumprimentos de parentes distantes e amigos, presentinhos, perguntas sobre a saúde de cada um e a das respectivas famílias e familiares, com os rosários de relatos das doenças e  medicamentos, mortes e hospitalizações etc., sem tempo para um contato realmente pessoal e um verdadeiro encontro afetivo. 
Caso esses motivos ainda não fossem considerados suficientes para me liberar de uma possível grande festa de aniversário, muito a contragosto eu ainda poderei colocar outro de maior peso. Ele se refere ao que eu julgo ser um lado oculto e muito pessoal das festas de aniversário de idosos ( pois para os jovens é outra conversa!). 
Tenho a certeza de que muitos de vocês ao lerem o que vou dizer agora,  poderão sentir-se revoltados e ofendidos em seu papel de filhos e parentes amorosos de seus pais  e outros  idosos da família. Mas se pensarem  friamente, deixando de lado a máscara social que nos leva a acreditar em nossas próprias desculpas,  e imaginar que um dia assim poderá ser a SUA  festa de noventa anos,  vocês me compreenderão. Hoje em dia é preciso que se pense  nos idosos com mais idade uma vez que o homem está vivendo mais tempo. Atualmente, entre os setenta e oitenta anos alguns idosos ainda com plena saúde poderão enfrentar um aniversário em grande estilo e talvez até  aprecia-lo mas, a partir dos oitenta anos na quase totalidade dos casos os idosos ou portadores da talvez quarta idade em diante têm-me parecido antes vítimas do que estrelas em festas comemorativas de seus próprios aniversários. 
Vocês já pensaram nos motivos que levam uma família a considerar essas festas tão importantes? O ano passa e o que realmente parece importar para os familiares é saber se o idoso está bem de saúde, se alimentando devidamente, indo regularmente aos seus médicos, tomando seus medicamentos rotineiros, etc. etc. Mas quando chega o momento em que ele vai completar mais um ano de vida, todos se preocupam  e pressupõem que aniversário de pais, avós ou outros parentes idosos que com eles convivem nunca deverá passar sem uma grande festa. Por tudo que eu tenho observado na  maioria dos casos isso ocorre  pela necessidade que a família sente de se penitenciar por não ter demonstrado suficiente interesse por uma convivência mais afetiva e por seu afastamento em relação aos problemas sentimentais do idoso no decorrer do ano. Espera com esse evento  demostrar seu amor e preocupação por seus sentimentos oferecendo-lhe uma vez ao ano, a  oportunidade de se alegrar e comover ao rever parentes, familiares e amigos e ser por eles festejado, como se esse acúmulo de sentimentalismo pudesse suprir seu isolamento rotineiro. Esta minha afirmação não significa que eu considere esse afastamento um descaso, um crime ou uma omissão voluntária por parte da família mas simplesmente por considera- lo  um dos fatos naturais da vida familiar moderna. O próprio desenrolar das tarefas  da vida diária com os afazeres de cada um e a participação cada vez menor do idoso nas atividades da casa e fora dela vão naturalmente isolando-o cada vez mais dos acontecimentos do dia a dia.  Os filhos e familiares podem até perceber isso mas sem condições de administrar ou impedir esse crescente isolamento vão aceitando-o como normal e inevitável no ciclo da vida. Daí a ânsia de presentear seu idoso com um aniversário festivo ( para quem?) onde todos serão testemunhas de seu esforço e amor ao acompanha-lo alegremente até o fim de sua vida ( que procuram sempre deixar claro estar muito longe de seus pensamentos).  
O que aqui coloco diz respeito não só a mim como a todo e qualquer idoso pois tenho a certeza de que eles também o sentem mas não têm palavras e ainda que as tenham, seu amor-próprio impede a coragem necessária para expressa-lo. Isto, sem a menor ofensa e dúvidas quanto ao amor que as famílias tem por seus idosos, do mesmo modo que confio no afeto de meus filhos, netos e suas famílias, assim como de meus amigos, pois o têm demonstrado de muitas formas. O que desejo aqui, egoisticamente, é deixar claro o que penso em relação a essas festas para meus futuros aniversários ( que otimismo, não?) uma vez que todos sabem muito bem que nelas os  encontros acabam por se resumirem a um sorriso, um abraço sentimental com perguntas e respostas  "da boca para fora". Portanto, para mim é perfeitamente compreensível que a razão  natural desse íntimo impulso que leva a família a festejar tanto mais publicamente  quanto mais idoso for o seu aniversariante -  e que fica bem escondido no fundo de sua consciência -  é  a necessidade de dar uma satisfação aos parentes distantes e à sociedade representada por seus amigos e conhecidos. E essa  necessidade se torna tanto maior quanto mais conhecido e considerado for o seu idoso na comunidade em que vive.
Em minha opinião, o que essas comemorações acrescentam à vida do idoso não justifica todo o esforço da família e desgaste do aniversariante. Para começar, imaginem o trabalho de não se esquecer de convidar todos os membros da família, amigos e conhecidos até os mais distantes! Daí é que tem início uma verdadeira maratona para organizar e procurar  nomes completos, endereços etc., tudo dentro de um prazo razoável. 
Finalmente o coitado do aniversariante também começa a sofrer bem antes da data marcada. É  aconselhado pelos filhos a se apresentar socialmente muito bem arrumado de acordo com as circunstâncias o que já começa a lhe causar ansiedade pois está longe de seus hábitos de conforto e liberdade do viver costumeiro .  Em seguida é analisado fisicamente para conseguirem uma boa enganação com cabeleireiro, manicure, etc. uma vez que poderá encontrar-se com amigos, parentes e conhecidos que não vê há um bom tempo e ele não poderá ficar "por baixo" nas questões  de "conservação" e "juventude". Alem disso tudo, eu sempre percebi, por trás dessas festas,  um significado cuidadosamente escondido: o da despedida.  Todos os convidados sentem-se na obrigação de comparecerem ou apresentarem uma razão muito forte para não trazerem seus cumprimentos;  todo  sacrifício será pequeno para levar seu abraço porquanto poderá ser essa ocasião a última em que tal reunião com toda a família será  realizada com o aniversariante lúcido e em vida. Parece ser a intenção de guardar recordações ( para a posteridade ) que  leva muitas vezes a família a promover a organização de um belo álbum de fotos a partir da infância ( se possível começando com  o nenê peladinho ) até o momento do aniversário, com legendas e explicações. Diante da atenção de todos ele será exibido em uma grande tela para todos os convidados admirarem.
Se, em lugar de uma dessas festas  tipo comunitárias  que não me daria oportunidade de saborear devidamente os  encontros com parentes e amigos eu pudesse recebe-los na medida da possibilidade de cada um em pequenas reuniões com mais tempo disponível  -portanto mais satisfatórias para nós - eu ficaria,  assim como qualquer outro idoso, muito mais feliz alem de multiplicar as ocasiões dos encontros.
Uma sugestão para reuniões que substituem com vantagem as grandes festas de aniversários são os encontros que eu e  minhas irmãs resolvemos fazer periodicamente. Por iniciativa  de minha irmã mais nova, quando ficou viuva ela nos propôs: " Como nosso prazo de validade está vencendo, precisamos nos encontrar mais vezes; vamos marcar encontros a cada dois meses em casa de cada uma de nós  para passarmos uma semana juntas?" E assim começaram nossos encontros quando só conversamos, passeamos, comemos, dormimos, tiramos fotos que enviamos pela internet para os parentes e amigos acompanharem nossas"aventuras", enfim nos divertimos sem olhar para o relógio. Até dos remedinhos costumeiros nos esquecemos!  Nesses encontros nosso tempo poderá ser ainda suficiente para fazer algumas visitas a outros amigos e parentes nas proximidades, pondo, assim, as novidades em dia...  Por exemplo, num de nossos encontros fomos visitar o amor da adolescência de uma de minhas irmãs. O velho simpatissíssimo ficou tão feliz e alegre que disse ter sido a nossa visita a melhor coisa que lhe acontecera. Não é uma boa sugestão?  
Outra idéia é levar a cada momento conveniente ( e é bom estabelecer prazo, do contrário, com os afazeres nunca irá sobrar tempo) o idoso a visitar ou passar alguns dias em casa de um parente ou amigo que o convida sempre ( e isto sem esperar que ele fique doente e um parente o receba para ajudar). Também o vice-versa é válido, isto é, trazer seus amigos e parentes  para sua casa ( lógico, com muito critério para não sobrecarregar ninguém). Afinal, se ele não residir em sua própria casa, a casa onde ele estiver morando será dele também do mesmo modo que a sua sempre esteve à disposição de seus filhos e suas famílias.  Aliás, acho bom nós, os idosos de 80 a 90 anos - que não somos velhos porque o que é velho é descartável e não nos sentimos assim - acordarmos para a vida. Temos nossos direitos que foram conquistados, não dados. Portanto devemos dizer sempre o que pensamos e exigir o que é nosso por direito. Se você, idoso, quiser festa de aniversário, muito bem; mas exija ser consultado se deseja ou não. Talvez uma viagem seja mais do seu agrado e a família pode se reunir para oferece-la a você e um de seus filhos ou netos poderá  acompanha-lo. 
Finalmente, tudo que eu disse não significa que não possa haver encontros festivos em aniversários, mas é um alerta para observar e eliminar as características negativas aqui descritas. 
Espero que com os argumentos apresentados, meus filhos, netos e suas respectivas famílias tenham compreendido minhas razões para me sentir à beira do fim de meus dias só ao pensar em uma comemoração com esse tipo de festa em meu aniversário de noventa anos.
 Ao saberem disso,  meu filho e minha nora resolveram dar-me o seu presente de aniversário adiantado e diferente: uma viagem com eles à Europa. Vejam como eu ganhei na troca!!! Entretanto eu não fiquei muito animada. Com a vivência a gente vai se acomodando e embora eu tenha bastante atividade fora de casa, sair um tempo mais longo significa romper, durante um certo tempo, com uma rotina com a qual já estou acostumada.  Mas, conscientemente eu sei que me fará muito bem modificar meus caminhos e nunca me estabilizar demais em rotinas pois a mudança alarga os horizontes e isto é um verdadeiro alimento para a alma e o corpo... principalmente se essa mudança me levar à Europa! Assim, com um certo empurrãozinho  combinamos que a viagem seria de menos de um mês somente para conhecer a Suíça, terra dos pais de minha nora Patrícia e França, especialmente Paris onde reside minha sobrinha Claudia pois com ela já está sua mãe minha irmã Lysmaria à minha espera.  Portanto aqui estou eu na Europa, encantada, iniciando esta conversa para cumprir uma promessa à minha neta Aninha. Ela  pediu-me que escrevesse um diário sobre tudo que me despertasse interesse pois achava que seria muito bom conhecer pelos olhos de uma nonagenária ( bonito, não?) a nova-antiga Europa. Então, com meu ipad de prontidão, eu disse-lhe que faria um Diário de Bordo com fotos ilustrativas enquanto estivesse no Velho Mundo.
A narrativa de minhas aventuras com tudo que eu vi e  aprendi, assim como dos prazeres e
alegrias que experimentei, infelizmente não cabe num  texto para o blog. Pensarei numa maneira de coloca-la ao alcance daqueles que quiserem me acompanhar nessa viagem.
Hoje, após toda a movimentação do pós viagem, a retomada da rotina da casa, das atividades físicas e as conversas com colegas, amigos e familiares, estou terminando o relato prometido, com muito cuidado para não trocar nem esquecer nada e assim, sempre que quiser, poder encontrar intocáveis no texto e nas fotos as recordações desta viagem que representou  um belíssimo presente de aniversário.  Esta  narrativa terá mais de uma parte. A primeira,  esta  em que eu exponho e justifico minha opinião por não concordar com minha festa de aniversario, o que me valeu ganhar a  viagem à Europa.  Será o texto que colocarei em meu blog. Com esta e mais a outra ou outras partes,  sobre a viagem propriamente dita, com minhas observações e análises juntamente com as fotos, estou pensando em escolher uma dentre duas hipóteses: colocar em capítulos no blog ou fazer  um livrinho a ser publicado na internet  para ser vendido por um preço simbólico mas que será uma contribuição constante a uma determinada entidade assistencial - a ser escolhida - desta cidade. 
Precisarei pensar bem pois é possível que o  interesse esteja voltado para o relato da viagem onde várias situações curiosas e fatos interessantes pude observar e transmitir, vistos  da perspectiva de uma viajante comum sem os arranjos e objetivos turísticos.
Provavelmente iremos conversar sobre essa viagem no dia de meu aniversário de noventa anos ao lado de meus familiares que aqui residem e estiverem na cidade; algum outro que quiser vir para curtir uma visita; mais um ou outro amigo que comparecer por sua livre vontade e todos estaremos saboreando gostosos frios com queijos e salgadinhos encomendados prontos. 
Talvez eu faça uma maionese de que minha neta gosta e ela poderá fazer uma trufa, que é sua especialidade e eu gosto muito. E tudo  isso, sem dúvida, com um bom vinho e brinde para comemorar.

sexta-feira, 22 de março de 2013

Terceira Idade: Começo ou Recomeço?

Recentemente fui contatada por um repórter de um Jornal da cidade a respeito de minha interferência em um problema da comunidade. Ele fez algumas perguntas por telefone. No dia seguinte, para minha surpresa, recebi outro telefonema desse repórter solicitando uma entrevista pessoal para uma matéria sobre a minha vida. Fiquei muito surpresa! O que teria minha vida de interesse para estranhos? Minha vida sempre foi, a meu ver, muito comum... teria algo diferente? Eu já estava preocupada, me sentido meio fenômeno... e eu nunca joguei futebol... Enfim acabei concordando em receber o tal repórter para vê-lo, saber o que era ser entrevistada e para que.
Chegaram - pois junto veio um fotógrafo. Conversamos um pouco, eu meio sem graça perante os olhos - do fotógrafo e da máquina - sobre mim. Mas o repórter, muito fofinho e gentil logo me deixou à vontade e após mil e quinhentas informações sobre a minha vida, despediram-se e foram embora, tendo me convencido da importância de depoimentos de vida como uma troca de informações para pessoas com faixa etária aproximada à minha, isto é, da chamada Terceira Idade para a frente ( não conheço uma definição de onde começa e termina a terceira idade e o que vem depois) .
Depois comecei a pensar e a tentar encontrar alguma coisa na minha vida que pudesse contribuir para a experiência e talvez a vivência de outras pessoas. Talvez fosse importante para muitos idosos, assim como para suas famílias e outras pessoas que com eles convivem o fato de eu ter oitenta e nove anos, ter uma vida plena ( até certo ponto), com atividades usuais para outras idades menos avançadas, tanto dentro como fora de casa; viver sozinha ( com meu cachorro ) ; praticar atividades físicas em exercícios tais como alongamento, pilates e tai chi chuan assim como utilizar o melhor meio de pensar, me divertir e estar em dia com pessoas e notícias do mundo que é a internet, através de um ipad.
De tanto pensar comecei a tentar identificar, no emaranhado de meu passado e presente, elementos que poderiam ter sido fatores responsáveis por características psico-biológicas e sociais que explicariam meu tipo atual de vida.
Sim, acho que, analisando várias situações de minha vida, posso vislumbrar alguns padrões de comportamento, tanto meu como de minha família, parentes e amigos que, por assim dizer, " cunharam ", isto é, definiram as minhas condições físicas e atitudes atuais.Então procurei isolar esses fatores e verificar suas relações com o as características, tidas como boas, de minha vida.
Essa reflexão me mostrou que as inúmeras experiências de vida pelas quais passei estavam, de certo modo, atreladas aos mesmos fatores os quais, em última análise, é que pareciam explicar meu comportamento.
A primeira constatação que fiz foi que no decorrer de toda a minha vida eu enfrentei muitas situações de desafio. Até aí nada de novo, pois viver para todo mundo é lutar. Porém, para mim, para vencer esses desafios, eu tinha que lutar sozinha; não tinha alguém que resolvesse as dificuldades por mim. Também até aí a minha situação era a mesma de muitas outras pessoas em nossa sociedade. Mas eu sempre tive a meu lado minha mãe, que compartilhava comigo meus problemas e dificuldades, me apoiava em minhas iniciativas e incentivava. Também tive uma tia que me criou e sempre me ajudou nos trabalhos de casa para cuidar de minha família. Portanto nesse aspecto familiar nunca me faltou um ambiente onde eu me sentisse segura e confiante para enfrentar os problemas que encontrava. E aí pode estar uma diferença entre minha vida e a de outras pessoas. Eu sentia os problemas, antes como desafios que eu teria de encontrar meios de vencer, sem me acomodar para não ser vencida por eles. Assim, eu sempre enfrentei as dificuldades como lutas, as vezes tão violentas e desgastantes que eu pensava não suportar. Mas sempre me levantava, mesmo porque nunca me achei com direito de "passar o bastão"; e nem tinha para quem! Desse modo, meus filhos foram criados dentro de meus princípios e os de meus pais, de honestidade ( em primeiro lugar para consigo próprio ), de trabalho (pois quem não souber fazer, não pode saber mandar ), de economia ( trabalhar para ganhar é fácil, o difícil é saber gastar, isto é, administrar o que ganhou) e de Fé ( a crença de que nossa vida é um empréstimo que um dia teremos de devolver com o mesmo e talvez maior valor) .
Creio que essa foi a situação que" temperou " a minha resistência até os dias de hoje. Mas chegamos agora ao que realmente nos preocupa: a tal da Terceira Idade!
A meu ver, o que caracteriza essa " faixa etária " é a sua coincidência com a passagem de uma situação socio-econômica de vida produtiva, chamada profissionalmente "ativa" para outra caracterizada por uma aposentadoria e denominada profissionalmente " inativa" . É nessa época que algumas mudanças drásticas ocorrem na vida humana. Tais mudanças dão ao idoso a falsa ideia de " fim de vida" ou "espera da morte". De qualquer modo se caracteriza, dentre outras, pela angústia, sensação de insegurança, sentimento de humilhação e inferioridade perante outras pessoas, como se a aposentadoria fosse seu primeiro atestado de incapacidade para trabalhar e produzir, para continuar a fazer parte, de igual para igual, de seu grupo de amigos. Daí, como um balão que se esvazia, toda aquela euforia que acompanhou a espera da aposentadoria para começar uma vida nova, fazendo tudo que quisesse e quando tivesse vontade, desaparece diante da grande pergunta: E agora? O que farei com todos os meus dias? É um sentimento de vazio como se nessa nova etapa da vida o idoso estivesse começando a "sobrar". Não faltarão, então, os conselhos de amigos e até da própria família para as viagens, serviços comunitários, ajudas voluntárias, círculos de trabalhos manuais e grupos de encontros para carteados, bingos e por aí afora. Para os homens essa fase da vida ainda é mais dramática pois a sua atividade econômica fora de casa é quase sempre a única forma de atividade que ele conhece e, neste caso, perde-la é como perder a própria vida, enquanto para a mulher ainda restam os afazeres da casa.
Nessa época, também, é a primeira vez que a família começa a se perguntar: o que farei com minha mãe, pai, ou o idoso que, afora o aspecto financeiro, provavelmente deverá passar a ser meu encargo?E começa a acordar para a idéia de um futuro no qual sua mãe, pai ou parente, que até aquele momento era independente e a auxiliava, irá, provavelmente, precisar contar com a sua ajuda. Então, insensivelmente, a maneira de tratar o aposentado, idoso ou " portador" de terceira idade, vai-se modificando e se tornando, as vezes paternalista e outras vezes impaciente; e ser objeto de piedade é, para o idoso um verdadeiro castigo, vexame e humilhação. Os resultados serão, evidentemente, o aumento da insegurança pela perda paulatina de uma auto-identidade construída ao longo dos anos e um distanciamento crescente do mundo como forma de auto-defesa para fugir às, cada vez mais frequentes, situações vexatórias.
Para mim, é nessa fase e por tais circunstâncias psico-sociais que as características de desgaste físico e mental da chamada terceira idade não só aparecem mas vão se acentuando como sinais de velhice. Eu, pelo menos, não tenho notícia de provas científicas de que o aparecimento do desgaste físico e mental do idoso se deva exclusivamente à idade cronológica. O que eu sei é que o surgimento ou a acentuação rápida desses sintomas ou de doenças a eles relacionadas tais como o mal de Alzheimer, a esclerose, dentre outros, são com muita freqüência precedidos de traumas, sofrimento físico e/ou psicológico ou grandes tristezas.
Por que, então, não buscar conhecimentos ou procedimentos que sejam capazes de dar ao indivíduo que se aposenta ou que " entra na terceira idade", melhores condições de vida a fim que ele possa continuar a ser, por mais tempo, um elemento útil a si próprio, à sua família e à sociedade? Penso que seria não só possível como desejável porquanto a população da chamada terceira idade tende a aumentar em quase todos os países do mundo e fatalmente deverá lutar para encontrar seu lugar de direito nas sociedades modernas. Atualmente a situação do idoso é tão grave que já faz parte do planejamento familiar a escolha de local para onde deverão ser encaminhados os seus idosos à medida em que se fizer necessário, ou seja, a partir do momento em que os seus cuidados ameaçarem interferir com a necessária rotina familiar.
Creio que é possível, também, o aproveitamento social e intelectual do idoso uma vez que estejamos convencidos de que sua capacidade intelectual não está perdida e, sim, guardada, escondida muitas vezes dele próprio, esperando apenas o aceno de um reconhecimento para surgir. Algumas sugestões, a título de prevenção, com base em minhas observações e experiências de vida, bem poderiam ser as seguintes :
-ajudar o idoso, aposentado ou não a encontrar uma atividade, remunerada ou não, que preencha produtivamente as horas de seu dia configurando uma rotina;
- considerar o idoso sempre incluído, como membro ativo e participante, nas atividades e problemas familiares de modo a que ele não se sinta solitário nem rejeitado. Para isso não deixar que os familiares se esqueçam de utilizar formas de tratamento afetivas e respeitosas tais como ouvi-lo e demonstrar interesse por suas opiniões sempre que for solicitado, trata-lo sem paternalismo nem impaciência e sempre que possível cobra-lo da mesma maneira que aos demais; esperar sempre que ele faça sozinho o que ele próprio se julgar capaz, ou incentiva-lo para que assuma posições e tome decisões mantendo seu conceito de auto-suficiência e independência;
- auxilia-lo, com camaradagem, a encontrar atividades para exercícios físicos a fim de que se mantenha em boas condições para a vida, o trabalho e o lazer;
- motiva-lo para frequentar ambientes culturais, de lazer e de convivência social, a exemplo do SESC, onde possa fazer amigos;
- despertar seu interesse por ambientes de atividades que incluam uma filosofia de vida capaz de exercitá-lo na calma, harmonia e equilíbrio de corpo e mente, a exemplo do tai chi chuan e linhas correlatas da medicina chinesa;
- dar- lhe o tempo necessário para produzir suas respostas aos desafios, lembrando -se de que, se elas não são imediatas, serão mais sensatas, criativas e profundas tendo em vista a riqueza de suas experiências de vida.
Apesar de todas essas sugestões parecerem exageradas, como se demandasse muito tempo e energia da família, não é realmente o que ocorre. A maioria dessas atividades são usuais entre os familiares e requerem apenas a sua participação, renovação ou a iniciação de hábitos, muitos antes já existentes. E os resultados deverão ser tão surpreendentes que valerão todos os cuidados e o tempo gasto.

Para finalizar, desejo repetir aqui uma observação de minha neta que nela me levou a refletir pela primeira vez: "a morte é um fato e, por enquanto, não um problema, então devemos aceita-la como tal porque ainda não tem solução." Enquanto houver nascimentos haverá mortes. Citarei também uma frase de minha mãe para explicar a continuidade da vida, em seu livro " A Grande Viagem": "O riso e a alegria das crianças são a âncora que impede o amanhã de fugir para a eternidade".
Devemos ter a esperança de que na Terceira Idade o homem continue sendo capaz de produzir estórias que alimentem seus sonhos e fantasias e os transformem em trabalhos e realizações registradas em sua história de vida.


terça-feira, 15 de janeiro de 2013

As Estórias e nossas Histórias de Vida

Inicialmente quero deixar claro como vou entender e utilizar esses dois termos neste texto. A diferença de significado entre Estória e História, há pouco tempo pensada em ser introduzida em nossa língua e rapidamente rejeitada, terá aqui uma função necessária. Antes, porém, desejo respaldar minha posição na opinião de Sérgio Rodrigues quando consultado pela revisora Licia Matos em 2011 tendo em vista as reações de intelectuais ao uso ou não do termo estória com sentido diferente de história. Disse ele que o significado das duas palavras é o mesmo; que " estória" foi registrada no século 13 e " história" no século 14 , ambas com o significado que este segundo termo guarda até hoje e que sua posição pessoal é a de que não há razão para a diferença de significado dessas duas palavras. Conclui que " cada um deve decidir com a própria consciência e o próprio gosto seu caminho no mundo da língua". Em 1962, João Guimarães Rosa usou o termo " estória" no título e no primeiro conto de seu livro "Primeiras Estórias".
Após consultar várias fontes sobre o assunto, tomei a liberdade de utilizar a palavra História para me referir a fatos da realidade que aconteceram, dos quais participamos, aos quais assistimos ou que conhecemos através de documentos. Esse significado também alcança o que está acontecendo pois a história é escrita momento a momento. E não só abrange o que acontece no mundo, em países ou regiões mas na vida de todo ser humano, dos animais e na natureza ( por exemplo as grandes catástrofes ou um simples gesto na declaração da independência de um país podem constituir importantes fatos históricos). Há acontecimentos históricos que afetam a vida de todas ou grande número de pessoas no mundo e há fatos e acontecimentos que mudam a vida de um indivíduo e daqueles que com ele entraram em contato- são as Histórias de Vida.
De outro lado, será Estória a referência a emoções, contos, narrativas ou acontecimentos fictícios, assim como a criação de sonhos, fantasias, desejos ou planos, no campo da imaginação.

Se pensarmos bem, todos nós, assim como todos os seres vivos e a própria natureza, enfim, tudo que nasce, cresce e morre, somos histórias de vida. Se pensarmos mais a fundo, qualquer estória, fruto da ficção ou imaginação, resulta de arranjos fictícios de elementos da natureza ou de fatos e acontecimentos que existem ou existiram em momentos da história. Lógico, ninguém pode inventar ou criar algo do nada; o arranjo criado é que é novo. Isso explica porque qualquer obra, imagem, situação ou matéria descoberta ou criada no plano da imaginação, quando considerada em seus componentes, revela elementos conhecidos. Lembramos que mesmo os casos mais extraordinários no campo da estória, quando se pretende fugir aos domínios do conhecido, tal como a imaginação de monstros, de figuras de ficção, de situações inusitadas, etc., não podem ir além de dados da realidade. Exemplos disso são as antigas lendas e as figuras mitológicas formadas com partes de animais e de homem ( o Pã ou Fauno com orelhas, chifres e pernas de bode, o Minotauro com cabeça e cauda de touro e a Esfinge de gizé com cabeça de homem e corpo de leão) . Também a deformação ou a estilização de traços humanos, animais ou da natureza para a composição de um ser fictício ou entidade idealizada, terá por base elementos já existentes. São realizações da estória, muitas delas cujos significados ou consequências passaram ou poderão passar a fazer parte da história do homem e do mundo. Por exemplo as consequências sociais das previsões dos oráculos e pitonisas nas guerras e conquistas, as provas por imposição divina ou de divindades para determinar a culpa ou a inocência, etc. Enfim, tudo que acontece no mundo da ficção é resultado de modificação ou transformação mentalizada do já existente. Como dizia Lavoisier: " na natureza nada se cria e nada se perde, tudo se transforma" . Portanto, é impossível ao homem sonhar ou criar alguma coisa do nada, assim como retornar ao nada ( à não existência ) qualquer coisa ou sonho que tenha tido. A partir daí podemos concluir que toda ação do homem decorre ou é consequência dos resultados de ações dele mesmo ou de outrem e, por sua vez, irá produzir resultados que trarão consequências para ele mesmo e para outros.
As conotações emotivas, os sonhos e fantasias que permeiam as ações do homem em suas histórias de vida, e que frequentemente as direcionam e valorizam, formam com elas os conjuntos de estórias e histórias que permitem ao homem viver plenamente, isto é, ser ao mesmo tempo realista e sonhador. Concluímos, então, que na vida humana -e somente nela - a Estória é também parte da História na medida que, em cada momento de sua história de vida, nas ações do ser humano estão incluídas as condições da realidade com suas conotações emocionais. Assim, em resultado do tipo de encontro e da natureza dos elementos com suas conotações emotivas que incidem e participam do desenvolvimento do ser humano, as mudanças decorrentes podem produzir consequências boas ou más e as mudanças subsequentes tenderão a provocar também consequências de algum modo boas ou más e assim por diante; e nesta medida vão sendo escritas as histórias de vida dos participantes nos diferentes encontros.

Com essa reflexão procuramos justificar a idéia de que a partir do nascimento - talvez da própria concepção-, quando o ser humano começa a realizar seus primeiros movimentos em direção ao seu desenvolvimento, começa também a escrever sua história de vida. E o interessante é que, embora toda história de vida tenha por base elementos naturais (da natureza) que ocorrem ciclicamente na vida de todos os seres da mesma espécie ao longo do seu desenvolvimento, os " arranjos" desses elementos, acrescidos das conotações emotivas a eles ligados, diferem a ponto de não existir um indivíduo igual a outro (nem os próprios gêmeos univitelineos ). Cada um é uma composição diferente a partir dos mesmos elementos básicos de tal modo que cada um é um ser " sui generis", único , distinto dos seus semelhantes, isto é, não se confunde com nenhum outro.
Neste caso, a ficção e a fantasia, as emoções e os desejos, são composições ou "arranjos" imaginários cujos elementos fizeram parte de histórias de vida. Enfim, a Estória existe porque existe a História. Uma não pode existir sem a outra do mesmo modo que um homem nunca poderá agir como uma máquina ( um ser inanimado) e vice-versa.
Portanto podemos concordar que, inicialmente, todo ser humano é formado a partir de elementos doados por seus pais através de seus genes em algum momento de suas histórias de vida. A partir daí a história de vida de todo ser humano, isto é, o seu desenvolvimento, será seguidamente resultante da influência de dois fatores: de um lado, das histórias de vida das pessoas, dos seres e de elementos da própria natureza que irão participar de seu ambiente de vida. Ou seja, durante todo o seu desenvolvimento a história de vida do ser humano será influenciada pelas histórias de vida dos seres com os quais ele irá se relacionar. De outro lado, a sua história de vida receberá a influência das conotações emocionais que lhe atribuem valor ( basicamente do bem e do mal, do certo e do errado, do belo e do feio, etc) oriundas das estórias que cada história de vida humana traz consigo, inclusive de suas próprias experiências passadas.
Pode-se dizer que sempre que um indivíduo entra em contato mental ou físico com outro, algo é modificado na composição dos elementos que formam a história de vida de ambos. Ambos acrescentam algo à sua história, isto é, ambos crescem em experiência, portanto, ambos ensinam e ambos aprendem.

A partir do que foi dito, acho que já é possível entender o papel de certos fatores da estória em mudanças que podem ocorrer na história de vida de um indivíduo assim como a influência de fatores decorrentes de histórias de vida de um ou mais indivíduos nas de outros. Lembremos que Estória e História coexistem no desenvolvimento da vida de cada indivíduo sendo a primeira referida ao campo do sonho, da fantasia, da ficção, dos desejos, das intenções enquanto a segunda se refere aos fatos e acontecimentos que ocorreram ou estão ocorrendo no plano da realidade. O plano da estória não está atrelado ao tempo e ao espaço. Ela obedece apenas aos elementos do conhecido, componentes da criatividade, dos sonhos, dos desejos, da fantasia. O plano da história, ao contrário, é escrito no espaço e no tempo uma vez que o que permanece dos fatos e acontecimentos são os registros. Um fato nunca pode se repetir como o mesmo.
O fator de risco surge quando o indivíduo permite, em algum momento, à estória substituir composições da sua história, ou seja, quando a fantasia e a realidade se confundem.
Não é incomum o ser humano confundir ficção com realidade. Isto ocorre, por exemplo, em situações emocionais extremas ( campo da estória, quando o comportamento é determinado pela fantasia) como nos casos de euforia, de depressão, de raiva, de medo, etc. Para citar alguns casos mais comuns lembramos o da garota que pode " endeusar" seu namorado a ponto de ficar impedida de vê-lo como é na realidade. Após algum tempo o véu do sonho e da fantasia ( que na verdade estava em seus olhos) cai e ela não se conforma por não reconhece-lo mais e aceita-lo com suas características reais. Outro caso é o da pessoa com depressão que vê o mundo escuro, sente sobre seus ombros todas as coisas más que acontecem, acredita que as pessoas a perseguem e termina por não reconhecer mais a realidade da vida. Ainda outro tipo de comportamento ditado por razões fora do campo da realidade é o da violência cega desencadeada a partir de situações corriqueiras tais como a reclamação de um troco errado em um restaurante. Ainda podemos lembrar os casos de possessão, quando um indivíduo age como se fosse outra pessoa ou entidade. Lógico, a estória também produz fatores positivos em toda história de vida. Existe um lugar muito importante para as obras de ficção, a fantasia, os sonhos, os desejos e os planos . São eles os responsáveis pelas pesquisas e conquistas que fazem parte da história. Eles trazem fé, energia, alegria, esperança e força para enfrentar os obstáculos e construir no mundo um lugar melhor e isso também influencia outros seres nos encontros. Mas sempre precisaremos saber distinguir o "sonho sonhado" do "sonho possível" que pode ser realizado.
Outro fator a se ter sempre presente na consciência é o das relações interpessoais, ou seja, o da influência mútua que ocorre no comportamento das pessoas sempre que entram em contato. Isto é tão importante que um momento na história de vida de uma pessoa pode mudar drasticamente a de outra a partir de um encontro.
Lembramos aqui, a título de ilustração, dois casos, um deles em que, em certo momento da história de vida de uma pessoa, fatores da estória - a imaginação e a fantasia- foram responsáveis por mudanças na história de vida de outra.
É o caso de uma amiga, até a adolescência tímida e introvertida, que modificou sua personalidade a ponto de ser hoje uma mulher vencedora, realizada e segura. Essa mudança aconteceu quando, em uma aula, ela participou de uma atividade de dramatização. Sendo obrigada a interpretar um personagem na situação dramatizada, encontrou em si qualidades antes apenas sonhadas.
Outro caso é o de uma outra amiga. Sua história de vida teve muita influência no desenvolvimento da minha. Encontrei nela um grande exemplo de expressão de qualidades admiráveis. O que a distinguia das demais pessoas era sua calma e meiguice, sua prontidão para ajudar sempre com interesse e participação e nunca com displicência. Adorava a natureza, principalmente as plantas e os animais e nunca deixava sofrer ou destruía - como eu observava - nem uma teia de aranha! Seu grande amigo era o sol e sob ele ficava, sempre que podia, com um largo chapéu cuidando das flores e da horta. Sempre muito agitada e apressada nas coisas que fazia, eu imaginava qual seria seu comportamento em cada situação e tentava modificar o meu. Acho que em muitos aspectos eu mudei em função de seu exemplo e dos sonhos que ela trazia para mim.

Enfim, espero ter levado ao leitor deste texto duas mensagens que julgo úteis e importantes para a vida. Que a história de vida de cada ser humano possa incluir sua estória na forma de fantasia, sonhos e desejos e que estes possam contribuir para suas conquistas e sucessos sem nunca esquecer a alegria de esperar por novas conquistas e novos sonhos. Que a história de vida de cada ser humano possa ser escrita com a participação de outras histórias de modo a aumentar sempre mais a força e a energia do todo e a contribuição de cada um.
 
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