quinta-feira, 17 de maio de 2018

Por Uma Terapia Ocupacional Holistica

A primeira curiosidade do homem para conhecer a si próprio e o mundo o levou à fragmentação. A observação das partes componentes do organismo vivo e sem vida dos animais, assim como dos elementos da Natureza, despertou seu respeito mítico pelo poder de certos elementos vitais para criar, manter ou aumentar os “dons” da saúde tais como a força, a agilidade, a acuidade dos órgãos dos sentidos, a premonição etc. 

A partir daí, considerada globalmente, a cultura do interesse pela vida e saúde se desenvolveu e evoluiu segundo duas direções: 
De um lado, no ocidente  nasceram e se desenvolveram os estudos e as teorias denominadas atomistas, baseadas no paradigma cartesiano-newtoniano que postulava a racionalidade, a objetividade e a quantificação como únicos meios para chegar ao conhecimento. (Teixeira, E. Rev.Esc.Enf. USP, v.30,1996)

A necessidade de encontrar a menor partícula da matéria e o auxílio de instrumentos tecnológicos cada vez mais potentes, possibilitaram às  ciências, puxadas pela Química e pela Física, alcançarem os menores componentes subatômicos do organismo. (Rev.Bras.de Ensino da Física, v.35, n.1, SP., jan/mar, 2013)
Os cientistas e profissionais começaram a procurar alcançar conhecimentos e a curar os males que afligiam o homem, através de especializações que atendiam aspectos cada vez mais compartimentalizados do saber, da vida do homem e da Natureza. 

Por sua vez, no oriente, com uma ancestralidade muito mais avançada, evoluía a atitude de contemplação e permuta entre o homem e a Natureza como o único caminho para a cura, a manutenção e a obtenção da saúde entendida como o estado de equilíbrio e harmonia do homem consigo próprio e com os outros homens no seu planeta Terra dentro do Universo. Essa Cosmovisão do mundo os orientais alcançavam através da observação da Natureza, da meditação e dos estudos em mosteiros afastados das regiões populosas, sendo o mais conhecido o Mosteiro Shaolin. Lá se desenvolveram as teorias Taoístas que originaram as filosofias e diversas praticas do Tao, tais como, por exemplo o Tai-Chi-Chuan (Capra,F. O Tao da Física, 1987)

No início do século XX houve, no ocidente, uma primeira mudança drástica nos paradigmas que sustentavam as teorias baseadas na atomização da matéria.
Puxados especialmente pelos estudos no campo da Filosofia, da Psicologia e da Biologia, as informações sobre a vida e sua qualidade, baseadas na soma de suas partes, foram substituídas pelo conceito de produto. Assim, a resposta final, o conhecimento decorrente de uma aprendizagem, não constituía mais o resultado da  somatória dos conhecimentos adquiridos ao longo do processo e sim um novo produto que emergia do conjunto desses conhecimentos. Ele decorria do processo da aprendizagem mas era um produto diferente, que não poderia ser explicado por nenhuma das suas partes consideradas isoladamente. 

Os estudos e pesquisas no campo do comportamento humano e animal forneceram bases cientificas à teoria do todo, à Gestalt Theory. ( Wertheimer, M., 1880-1943, Koffka, K., 1886-1940, e Khöeler, W., 1887-1967 )
A teoria Gestáltica (da boa forma) foi importante porque marcou a primeira preocupação do homem em olhar para dentro de si próprio como um sistema, antes de analisar suas partes, ou seja, compreender que as partes só podem ser conhecidas através da visão do todo. 
A Gestalt trabalha com dois conceitos que a aproxima do conceito sistêmico do holismo: super-forma e transponibilidade, ou seja, tornar explícito o que está implícito. 

Pela primeira vez o pensamento ocidental se aproxima do oriental, quando a Física Quântica  mostra o homem como um elo na corrente energética da vida num mundo em movimento e o Taoismo afirma que assim continuará sempre sem começo nem fim porque essa energia viverá na linhagem de seus descendentes, sucessivamente, gerações após gerações.

Em março de 1986, em Veneza, foram debatidos os novos rumos das ciências  para o terceiro milênio. Desse evento emergiu a Declaração de Veneza que aponta a necessidade e urgência de novos estudos e pesquisas numa perspectiva transdisciplinar com um intercâmbio dinâmico entre ciências exatas, humanas, a arte e a tradição. O grande desafio será o compromisso social dos pesquisadores e profissionais engajados nesse movimento. (Rev. Esc. Enf. USP, v.30, n.2, p.286-90, ag. 1996)

Em 1987, em Brasília, de 26 a 29 de março, ocorreu o I Congresso Holístico Internacional e o I Congresso Holístico Brasileiro. Em resultado desse evento foi elaborada a Carta Magna de Brasília. Ela reafirma a relação entre o homem e o Universo, entre as partes e o todo e enfatiza a importância do holismo e as consequências concretas da descoberta da complementaridade entre Ciências, Tradições e Sabedoria. (Crema,1989) 

No Brasil foram criadas a Fundação Cidade da Paz e a Universidade Holística Internacional de Brasília, para atuarem na construção de pontes entre as diferentes ciências e estas e as diferentes experiências.

A Universidade Holística de Paris, fundada em 1980 pela psicóloga Monique Thoenig, foi um marco decisivo no debate sobre o paradigma holístico.
Pierre Weill resumiu um enunciado da moderna psicologia transpessoal na seguinte fórmula:

VR = f (EC), significando que a Vivência da Realidade (VR) é uma função ( f ) do Estado da Consciência (EC) no qual a pessoa ( o paciente e o profissional ) se encontra no momento da observação. (Crema, 1989)

Hoje podemos encontrar conceitos que, sendo comuns aos diferentes campos do saber, unem o pensamento oriental e o ocidental no entendimento da saúde, esta considerada o bem maior, o fator de equilíbrio entre os elementos que compõem o Universo. Com este sentido, Saúde é igual a Vida, entendida  como o estado de harmonia e equilíbrio do homem consigo próprio, com os outros homens, com a Natureza, com o planeta Terra e o Universo. Sustentam este conceito os seguintes paradigmas: 

.   O homem é um dos elementos de um Universo em Movimento. A parte do Universo que ele habita - o planeta Terra - é uma estrutura composta de elementos formados por partículas de energia as quais, interligadas, compõem o planeta em movimento - uma Unidade Global Viva - capaz de produzir e sofrer mudanças.

.   A Física nos mostra que numa partícula, o movimento ocorre num processo contínuo de aceleração e lentidão (ascensão) e de mudança em quantidade e qualidade (direção) segundo um deslocamento bipolar que vai do menos para o mais, volta para o menos, e vice-versa. Por essa razão, encontramos na dualidade da composição do Universo - e na do homem como um de seus elementos - esse movimento bipolar: nascer- morrer, construir- destruir, crescer-diminuir etc. E, na sua complementaridade, todos dependem uns dos outros, um não existe sem o outro. (Capra, Fritjof, O Tao da Física)

.   No planeta Terra, o homem é o único Ser com Consciência, capaz de modificar a si próprio e o mundo em que vive. É, portanto o único capaz de julgar, escolher e compreender sua missão de elemento de ligação entre as  formas de vida no seu planeta e interagir com ele no sentido de orientar sua evolução.

Hoje, a partir  da sabedoria adquirida com os  textos hipocráticos  da cura, os profissionais da saude já não  consideram mais as doenças como processos naturais que podem ser cientificamente estudados e influenciados por procedimentos somente terapêuticos. Cada mal não tem somente uma origem e não pode ser curado apenas pela terapia.

Na área da saúde, a postura holística leva a uma nova relação entre o profissional  e o seu paciente, no sentido de leva-lo a compreender a natureza e o significado da sua enfermidade e a sua capacidade para auxiliar a recuperação através da auto-cura. 
Atualmente é reconhecida, não só a interdependência entre os aspectos da vida do paciente - físicos, mentais, sociais, emocionais - como a sua vontade e motivação para viver. As abordagens bioenergéticas são bons  exemplos da valorização do corpo como um sistema que deve buscar seu equilíbrio e coerência internos e externos. (Lowen, A., O corpo em Terapia: a abordagem bioenergética, Sumus edit.,copy1958, p.97, SP.)

Aos poucos, como observa Teixeira, o mundo começa a construir pontes para alcançar plenamente a pratica da saúde através das mudanças que deverão ocorrer com o advento da teoria holística e sua aplicação no campo das relações transdisciplinares no processo intergeracional do homem na Terra.

Este amplo e significativo  conceito holístico da saúde e dos profissionais responsáveis por sua presença no processo do viver, coloca em destaque o papel do Terapeuta Ocupacional.
Seu campo de atuação abrange não só o comportamento físico do paciente onde ficam aparentes os sintomas do desequilíbrio e desarmonia dos processos vitais externos mas também o comportamento interno, onde tal desequilíbrio parte de reações menos evidentes, frequentemente emocionais e sentimentais, que causam estresse e reduzem a vontade de viver. 

Se TERAPIA significa “o tratamento e a cura para uma determinada doença”,o diagnostico será o primeiro passo para que o Terapeuta seja bem sucedido. 
O antigo procedimento de determinar a origem física evidente, diagnosticar a doença e orientar o paciente na  busca do medicamento adequado a eliminar o mal na sua origem orgânica já não basta. 
 De acordo com o conceito holístico, são vários os sintomas, tanto físicos como mentais e emocionais que podem indicar uma doença, um desequilíbrio e desarmonia no sistema de vida externo e interno do paciente.

O tratamento e a cura irão depender, então, de uma abordagem sistêmica do paciente e poderá ou não envolver mais de um profissional da saúde . A abordagem Sistêmica tanto exigirá a interação dos profissionais envolvidos - ou o preparo profissional adequado do terapeuta ocupacional - quanto o envolvimento do paciente, num processo que podemos definir como de pesquisa ou busca dos fatores que produziram as mudanças negativas no pensamento e comportamento do paciente. A “cura” será, então, o resultado obtido paulatinamente, através de procedimentos sistêmicos de reintegração equilibrada e harmônica do paciente no meio em que vive. Será um trabalho de equipe ou de um profissional que trabalhe num sistema multifuncional de ação.

Importante também é ter claramente presente o conceito que define o campo de atuação do terapeuta OCUPACIONAL. A definição ou nomeação de algo é que dá a esse algo uma identidade, uma existência, a ocupação de um espaço na mente e no mundo do homem e da sociedade.

OCUPAÇÃO “é tomar posse de algo ou preencher determinado espaço”.
CIÊNCIA OCUPACIONAL “é uma ciência que estuda a complexidade  biopsicosocial das ocupações humanas...”
TERAPIA OCUPACIONAL “é um campo de conhecimento e intervenção em saúde, educação e esfera social que utiliza como foco de intervenção as ocupações humanas ...”( Wikipedia. Terapia Ocupacional)

Diante deste quadro conceitual podemos chegar a um consenso e a uma definição que abranja os aspectos mais significativos na atuação desse profissional e seu campo de trabalho.
Em primeiro lugar vamos entender ocupação como uma posse, o preenchimento de um espaço que pode ser físico ou mental. Assim, do mesmo modo que um bem material ou um trabalho, os sentimentos, pensamentos e ações, são ocupações, posses que tomamos usando os espaços de nossa vida e a eles reagimos como um todo, com nosso comportamento global, negativo ou positivo, perante a vida - nós em nossa interação com o mundo. 

Tendo em vista a responsabilidade e a importância do papel individual e social do terapeuta ocupacional  no equilíbrio e harmonia das relações interpessoais e do homem com o ecossistema onde vive, podemos  sugerir, numa perspectiva holística, a seguinte definição para o profissional em Terapia Ocupacional: 

O Terapeuta Ocupacional é o profissional devidamente preparado para atuar, juntamente com seu paciente, nas interrelações desse paciente consigo próprio, com sua família, amigos e a comunidade onde vive, a fim de detectar, com o auxílio de outros profissionais, se necessário, os fatores internos e externos que colocam em risco a qualidade de sua saúde a fim de buscar meios para reconduzi-lo a um sistema de equilíbrio e harmonia consigo próprio, com as demais pessoas e o meio em que vive.


Bibliografia:

. CAPRA, Fritjof. O Ponto de Mutação, S.P., Cultrix, 1986.
. CAPRA, Fritjof. O Tao da Física. 1975.
. CREMA, Roberto. Introdução à  Visão Holística, 2a.ed.,S.P., Sumus, 1989.
. LAO TSÊ. Tao Te King. Hemus, ed.
. LOVELOCK, James. Gaia, Alerta Final, Saraiva, S.P.
. LOWEN, Alexander. O Corpo em Terapia: abordagem bioenergética, Sumus ed.,   
  copy.,1958.
. Rev.Bras.de Ensino da Física. v.35, n.1, S.P., jan/mar., 2013.
. Teixeira, E. Reflexão sobre o paradigma holístico e holismo e saúde. Rev. Esc. Enf., 
  V.30. n.2, p.286-90, agosto, 1996

. WONG KIEW KIT. O Livro Completo do Tai-Chi- Chuan, Pensamento, S.P., 2005.

domingo, 6 de maio de 2018

OS ENVELHESCENTES : ONDE E COMO VIVER

    Como boa envelhescente (tenho 94 anos e lá vai pedrada), estou interessada no meu endereço futuro (sempre fui otimista!).        

    Hoje estou satisfeita com minha vida e moradia. Vivo sozinha em um apartamento - se não contar meu cachorro que está com dezoito anos. Tenho autonomia e auto-suficiência para realizar atividades dentro e fora de casa, para manter minha rotina em dia e participar de encontros e eventos com familiares e amigos em vários lugares.

    Mas...sempre tem um "mas" porque a vida é uma sequência de mudanças, muitas  previsíveis como, por exemplo, que nenhuma delas tem efeito retroativo. Assim, posso prever que a excelência de minha vida, cada vez mais só poderá ser preservada através de alguns procedimentos que me garantam as melhores condições para que as mudanças favoráveis ocorram e permaneçam o quanto for possível. 
    Acho que posso resumir as boas condições da vida em uma afirmação geral: a qualidade de vida de um homem está em relação direta com o alimento que recebe na troca de energia que mantém com os outros homens e o mundo em que vive. Neste sentido acho que posso repetir,  com grande margem de certeza, que "o homem é o que ele come".  Esse comer deve ser entendido num sentido amplo de alimento tanto para seu organismo físico e fisiológico quanto o mental e psicológico. Daí a enorme importância, uma verdadeira revolução social, um "chute no pé da barraca" para dar um “basta” naquelas condições que tão frequentemente nos remetem à mudança final. Me refiro ao atual e crescente movimento para encontrar novos rumos de vida por parte de grupos cada vez mais numerosos de  velhos, idosos, tiozinhos e vovózinhas que vêm se recusando a morar nas casas de seus familiares onde são estorvos e fardos e nas Casas de Repouso onde são tratados como clientes terminais numa ante-sala à espera da chamada da morte.
    Essa nova população, que vem sendo denominada " os envelhescentes ",  é formada pelos indivíduos que ao entrar na faixa dos 60 anos estão começando a  perceber que não se transformaram mental e fisicamente em seres descartáveis pela sociedade. Ao contrário, a aposentadoria não lhes parece  mais um atestado de invalidez e, com a ajuda dos meios de comunicação e de novas políticas sociais de atividades e cultura para todas as idades, começam a sentir-se plenamente aptos a corresponder ao chamado do progresso e da vida moderna.
ulturais da cidade, voltados para os idosos ( programação anual do SESC, Conselho dos Idosos, Espaço do Idoso, Associações Laicas e Religiosas amparadas ou não pela Prefeitura, Trabalhos voluntários etc.).


    b) Buscar informações sobre moradias para idosos, existentes em várias regiões e analisar suas características e funcionamento. Para isso recorrer a materiais de divulgação, contato com entidades e/ou responsáveis, tanto no nosso país quanto no exterior, que estiverem a nosso alcance. De preferência procurar aqueles que apresentam algum diferencial relevante para nosso objetivo, em relação aos tradicionais existentes. 


    c) Estudar as possibilidades para a realização de um projeto de Comunidade, tendo em vista especialmente as informações obtidas diretamente dos idosos , as políticas públicas municipais, estaduais e nacionais sobre os cuidados e direitos dos idosos, os trabalhos realizados por Entidades, Grupos  e Sociedades que experimentam uma nova filosofia e orientação de vida que possam contribuir para a realização de nossa proposta. Além disso, indispensável para suporte e continuidade de um programa de atividades dos participantes da tal  Comunidade, analisar também a contribuição de trabalhos pioneiros de moradias comunitárias, tais como os  do Instituto Pindorama e outros Grupos de permacultura e de vivência em contato com a Natureza.

    Os resultados obtidos deverão ser analisadas à luz dos elementos que indicam sua importância para corresponder aos anseios daqueles que estão em busca  da alegria e dignidade da vida em toda a sua extensão.   
    Deste modo, os idosos serão os agentes e os destinatários das mudanças 
pretendidas.

  II -    Outro fator que se deve ter em mente é a clareza dos conceitos inerentes às nossas indagações a fim de que os resultados obtidos decorram da perfeita coerência desses conceitos e os objetivos, o que esperamos deste trabalho.
   a)  Um dos conceitos mais importantes é o do significado da VIDA. Já vimos que não nos interessa apenas o viver orgânico do idoso mas o viver consciente, pois é a consciência que dá significado ao processo orgânico do viver.
    Para nossos objetivos o Viver é um processo contínuo de interagir com o conjunto das  mudanças (entendê-las, aceitá-las ou substituí-las, dirigi-las e provocá-las etc.) que ocorrem no corpo e na mente de um indivíduo a partir do momento que ele começa a tomar consciência de si e do mundo até o momento   que essa consciência se extingue. 
    Assim entendido, o Viver ( ou processo de mudanças) depende do Movimento (causa das mudanças) e da Consciência (que as compreende e dirige) e da Matéria (o corpo humano, o que muda).


     b) O segundo conceito é o de ALIMENTO. Tambem ja vimos que, como  todo organismo vivo, o homem - matéria em movimento,  que se modifica constantemente - necessita de alimento. E na medida em que ele é um ser consciente, usará essa consciência para manter e dirigir as mudanças que ocorrem no processo da sua vida, ou seja, na sua constante busca do novo.
    No mundo - natureza e sociedade - ele escolherá o  alimento para o corpo e a mente e suas opções decorrerão dos conceitos e valores que aprendeu no mundo - seu livre arbítrio. 
As consequências de suas escolhas irão se refletir nas suas mudanças - na qualidade de sua vida. Daí a importância do meio - família e sociedade de um lado e  natureza, de outro - na orientação do indivíduo em relação às mudanças no processo do viver. 


   III. -     Não podemos esquecer um terceiro fator: a HERANÇA GENÉTICA  , o que os orientais denominam "tesouro que recebemos de nossos antepassados". A maneira como cada um faz as suas escolhas e lida com as mudanças no decorrer da vida está, em grande parte, atrelada às influências ancestrais inclusive o modo de perceber e reagir às condições ambientais:  sociais e naturais. 
Do amálgama de todos esses fatores resultará, à cada geração, uma  nova herança a ser transmitida de geração a geração num futuro sem fim...
         
Basicamente, as relações do homem com o mundo sempre foram as de um predador e sua presa;  e o papel da consciência é ensinar a julgar e fazer suas escolhas. Aos poucos,  a consciência vai sofrendo a influência dos valores ancestrais e familiares, das mudanças que ocorrem em outros fatores mentais tais como inteligência, sentimentos, emoções assim como dos valores sociais vigentes a exemplo da ética, da moral e da justiça, elaborados no decorrer de suas experiências de vida. E ele incorpora tudo isso às suas escolhas sob a forma das atitudes de amor e desamor. 

    Um dia vi na internet a mensagem de um padre católico que falava da diferença entre "utilidade" e "significado".  Então entendi melhor o "amor" na envelhescência.
     Dizia ele que é  no momento em que uma pessoa começa a se tornar inútil que podemos medir o amor. Sem utilidade, dela só restará o significado. Se embora inútil ela continua a significar algo bom, precioso para nós é porque a amamos de verdade, se não, esse amor que existia era por nós próprios, porque ela respondia às nossas necessidades. Esse aspecto da interação humana nos leva a compreender um pouco a complexidade do drama vivido pelas famílias quando seus idosos começam a demonstrar dificuldade em participar do seu ritmo de vida, das decisões e da rotina diária da família. A crescente indecisão entre atitudes opostas: de afastamento e impaciência hoje, frente às antigas e costumeiras provas de amor, provoca conflitos e complexos que só dificultam a percepção de que podem existir, ocultas pelos bloqueios dos idosos,  muitas contribuições sociais valiosas embora e talvez por conta das mudanças do ritmo de vida que ocorre no processo do envelhecimento.

    A simples observação das mudanças que se sucediam, física e mentalmente no idoso do século passado, comparadas com as que vêm  ocorrendo na população idosa atualmente, evidencia profundas diferenças sociais entre ambos.
    Por exemplo, até meados de 1900, os que chegavam aos sessenta anos eram considerados fora dos limites esperados. "Sexagenário" era palavrão para desqualificar socialmente aquele que não deveria ser levado a sério tanto física como mentalmente porque já estava - como eu ouvia muito quando era menina - "com um pé na cova".


    De outro lado, essa faixa da população que aumenta significativamente ano a ano vem apresentando, de forma crescente, maior disposição não só para viver como para participar ativamente de atividades antes impensáveis para essas idades. O estímulo de entidades que oferecem oportunidades de participação em atividades físicas  e culturais, o interesse de estudiosos e especialistas no campo da geriatria e gerontologia, são responsáveis pela quebra do antigo círculo vicioso: velhice > sedentarismo > moléstias compatíveis que levam o velho ao desestímulo, à negação da vida e espera da morte, o que traz cada vez mais velhice, mais sedentarismo etc. desgastando progressivamente o significado da vida e a esperança de mudanças a ela favoráveis.
   Hoje vemos pessoas com 90 anos ou mais participando de eventos, atividades de lazer e até no desempenho de serviços sociais voluntários com outros idosos. E não somente esses ainda poucos, mas uma grande faixa de envelhescentes  se mantêm na posse de capacidades físicas e mentais satisfatórias para ter relativa autonomia e independência para morar sozinhos.
   O estímulo social e o aumento da auto-estima já  têm levado idosos a ocupar altos postos na sociedade. Eles querem sim e podem contribuir para a evolução social em direção a um mundo melhor para a espécie humana. Quanto mais o homem viver mais ele poderá aprender e  estará em condições de compartilhar um bem que somente ele e nenhum jovem poderá fazê-lo: a Sabedoria para utilizar melhor o Conhecimento.
    
    Finalmente, é bom lembrar que, na melhor das hipóteses todos os seres humanos, agora envelhescentes, um dia serão velhos e que o investimento de hoje será o seu consumo amanhã. O prazo não é tão longo porque tempo não existe; a vida é sempre o agora. O que a valoriza são as boas mudanças que garantem os momentos felizes e a saúde para deles usufruir e compartilhar.

    Tal como pretendo fazer, espero que cada indivíduo, envelhescente, velho ou não, possa estabelecer conscientemente os parâmetros do local ONDE E COMO deseja para ser sua moradia amanhã ou para seus idosos de  hoje;  e se propor a buscar esse local. Em princípio ele deverá ser capaz de receber seus sonhos e desejos e se ajustar a eles.



Lília Sampaio de Souza Pinto
(blog “Sementeira”, volilia.blogspot.com)

















 
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