sábado, 15 de abril de 2017

O CONDOMÍNIO E EU


                                    
     Não basta ter um endereço, uma residência para um indivíduo ser alguém. Para ser uma pessoa, ter uma identidade, precisa integrar ao seu ambiente de vida, sua família, parentes, vizinhos, amigos, grupos de atividades, de trabalho e outros. O seu contato com o mundo, é que lhe dá a certeza de existir, de ser parte dele e nele ter um lugar seu onde morar.
     Portanto, moradia é o lugar que o homem ocupa na sociedade em que vive. Cada vez mais o centro da moradia está ultrapassando o lar, uma vez que hoje o homem tende a passar uma  grande parte da sua vida em locais fora de casa. A tecnologia, através dos recursos da informática, veio, de certa forma ajudar as famílias a permanecerem mais em suas residências para realizar seus trabalhos. Entretanto é impossível encontrar um padrão para avaliar o tempo e o espaço das atividades da família fora de casa porquanto elas variam tanto quanto as formas de trabalho, as oportunidades, os interesses e as capacidades de cada pessoa.

     Com a modernidade, os aglomerados humanos que já haviam ultrapassado os limites antes agrícolas,  passaram a formar cidades que começaram a crescer verticalmente. Era o início da era dos condomínios residenciais, essa morada singular que parece tentar alcançar os céus enquanto os pés, como raizes entrelaçadas, permanecem na terra.
     Poderá o homem, na estranha posição de único proprietário de uma unidade condominial autônoma e independente (apartamento) e co-proprietário das áreas comuns do condomínio, com os mesmos direitos de todos os demais condôminos, senti-los igualmente como partes de sua moradia? Submeter sua vida e seus bens à leis e normas que visam garantir a segurança e o bem-estar de todos, inclusive o seu, sem lhe perguntar se quer, se está feliz?
     E a cada vez, maiores contingentes da população urbana vivem em condomínios!

     Na situação de uma pessoa que durante cerca de 40 anos viveu em apartamentos de classe média na cidade de São Paulo, e depois mais 17 anos na cidade de Santos, eu me sinto conhecedora e com grande experiência de vida nesse tipo de moradia. 
Além disso, minha posição de condômina e conselheira neste condomínio onde moro atualmente,  me levou ao contato direto com problemas mais frequentes e outros não tanto, à leitura de leis e convenções assim como à consultas a jornais e publicações especializadas. Tudo isso constituiu estímulo para que eu registre neste texto o que aprendi ao morar morar em Condomínios.

     Mais do que tudo, o que moveu minha vontade e disposição foi o fato de eu ter conseguido ver razões e possibilidades de encontrarmos nos Condomínios, a presença de condições  favoráveis à transformação de simples apartamentos em centros de moradia. 
    O conceito de moradia começou a fazer sentido para mim quando mudanças em minha vida me levaram a perceber a presença dessas condições favoráveis, antes despercebidas. Elas podiam e fizeram a diferença. Veladas na redação das leis, mais aparentes nas convenções, regimentos e publicações, às vezes se manifestam mais claramente em certas decisões das Assembleias, em iniciativas de condôminos e em mudanças de comportamento do grupo gestor.

     Por razões de segurança e compromisso com a verdade, procurei analisar e fundamentar minhas observações no que vem prescrito no Novo Código Civil Brasileiro, (Lei 40.406 de 10/01/2002), na Lei dos Condomínios e Incorporações (Lei 4.591 de 16/12/1.964) e na Legislação Trabalhista. Consultei o Jornal SindicoNet, a Odara Auditoria, referência em auditoria condominial, analisei um modelo da Convenção de um Condomínio Edilício, além de registros em Webs, a exemplo do blog do Social Condo (blog.socialcondo.com.br), a Convenção e o respectivo Regimento Interno do Condomínio onde eu moro.

    Quero deixar claro que as observações e comentários aqui feitos, não terão o intuito de  desmerecer o trabalho de quaisquer dos membros de algum corpo diretivo e/ou gestor mas tão somente o de analisar aspectos da realidade a fim de favorecer o trabalho geral em nosso ou outro Condomínio e o bom desempenho das funções de todos frente à realidade neste tipo de Moradia.

      Para fins de análise, vamos considerar a vida em um Condomínio se desenvolvendo segundo três níveis ou módulos de ação no âmbito das Construções onde ocorre o seu funcionamento: I - As Assembleias (Gerais e Extraordinárias), II - o Grupo Gestor ( Sindico, Subsíndico e Conselho), III - a Convenção do Condomínio e seu Regimento Interno. Os Órgãos de Assessoria (Administradora e o conjunto de  Código, Leis e Decretos, Normas e Regulamentos, Publicações) são consultados ou chamados a assessorar o Condomínio sempre que necessário.

I - Das ASSEMBLEIAS:

      A Assembleia, formada pelos condôminos ou seus prepostos mediante procuração específica, constitui a autoridade máxima no Condomínio. Os condôminos, em votação, decidem sobre toda matéria apresentada que seja  de interesse geral para o Condomínio.
     É a única situação que isenta o síndico da responsabilidade pela decisão embora ele continue respondendo pela execução das decisões tomadas em Assembleia.

     As Assembleias constituem o registro evolutivo da vida em um Condomínio. Elas representam as linhas regulamentares de comunicação entre o Grupo Gestor, seu Assessor Administrativo e os Condôminos, assim como destes entre si.

      1. Há as ASSEMBLEIAS GERAIS ORDINÁRIAS (AGO) que são convocadas pelo Síndico uma vez ao ano, com o objetivo maior de prestação de contas do período anual anterior para, em regime de votação, serem ou não aprovadas e, em segundo lugar, a apresentação do plano de trabalho para o próximo ano da gestão e sua aprovação ou não pela Assembleia. A Assembléia Geral Ordinária do segundo ano de cada grupo gestor incluirá também a escolha do novo síndico ou reeleição do mesmo para o mandato seguinte.

      2. Há as ASSEMBLEIAS GERAIS EXTRAORDINÁRIAS (AGE) que diferem das Ordinárias apenas em dois aspectos: a) podem ser convocadas em qualquer época; b) sua convocação pode ser feita pelo Síndico ou solicitada por Condôminos que representem no mínimo 1/4 da totalidade dos condôminos.
     Seu objetivo maior é apreciar, deliberar e votar sobre assunto importante e improtelável do Condomínio. Por exemplo, a destituição do síndico e eleição de seu substituto, deliberar sobre propostas do Sindico ou de quaisquer condôminos, consideradas importantes e inadiáveis para a boa gestão do Condomínio.

     3. Da Organização da Pauta
      
       Com pouquíssimas exeções,  para a boa evolução dos trabalhos a realização de  uma Assembleia deve  obedecer o seguinte padrão de organização denominada Pauta da Assembleia: a) Composição da mesa diretiva ( coordenada pelo síndico ): indicação do presidente, do secretário e apresentação do representante da Administradora (se houver e estiver presente.). Deste momento em diante os trabalhos continuarão sob a direção e coordenação do presidente da mesa. b) Leitura e aprovação da Ata da assembleia anterior (a leitura pode ser dispensada mas não a sua aprovação por votação); c) Assuntos da Pauta: apresentação, discussão, deliberação e votação, um a um, dos tópicos contidos na pauta; d) Assuntos de Ordem Geral : problemas e sugestões apresentados pelo sindico ou pelos  condôminos, de interesse geral do condomínio; e) Encerramento da Assembleia (pelo presidente da mesa).

     Os assuntos da Pauta deverão ser colocados numa sequencia coerente de modo a ter um desenvolvimento harmônico sempre que a discussão de um possa ser esclarecida pelo debate do anterior. Por exemplo, deliberação sobre os serviços necessários antes de previsão dos fundos para, em seguida serem hierarquizadas as prioridades.
      Cuidar para que a Pauta não fique hipertrofiada para uma satisfatória resolução de todos os  temas dentro do tempo previsto. Assim se  evitará o cansaço, o atropelamento dos assuntos e a ausência de finalização no tratamento de problemas importantes sem chegar à devida conscientização nas votações.
     Se necessário,  transferir algum ou mais de um assunto da pauta para outra data visando a continuação da Assembleia.
      
    Quando uma Assembleia chega a um final com a mesma coerência e disciplina do início, pode ser considerada bem sucedida.

II - Do GRUPO GESTOR

   1. Sobre o SÍNDICO:

      O artigo 1.347 do Novo Código Civil estabelece: "A Assembléia escolhe um Síndico que poderá não ser condômino para administrar o condomínio por prazo não superior a dois anos, o qual poderá renovar-se".
      Estabelecidas no artigo 1.348 do mesmo Código, as funções do Síndico estão propostas de maneira a que ele deva praticar um conjunto de procedimentos necessários à segurança e bom funcionamento do condomínio respondendo por eles ativa e passivamente. 
   
       Autoridade máxima na gestão do Condomínio, o Síndico deverá acompanhar o desenvolvimento da Assembleia e estar sempre atento para dirimir dúvidas, dar apartes quando necessários à colocação dos assuntos tratados, chamar a atenção para algum aspecto importante em debate assim como solicitar a colaboração de algum Conselheiro ou Condômino mais esclarecido no aspecto em discussão. Para o devido cuidado e o bom desempenho da sua função, o síndico não deverá presidir a mesa. Esta outra função o levaria a dispersar sua atenção com prejuízo da sua participação e função na qualidade de Síndico.

      Se no decorrer de uma Assembleia surgir uma discussão, o Síndico nunca deverá colocar suas opiniões pessoais, a não ser a titulo de exemplificação; jamais chamar a atenção para aspectos negativos  citando nomes a respeito de algum problema ocorrido no Condomínio. No início de alguma discussão surgida entre condôminos envolvendo casos pessoais, imediatamente o Síndico deverá  remeter a discussão e a solução do problema para uma reunião apenas com os interessados, em outro momento. Lembrar-se sempre de que a autoridade, atrelada à calma e à coerência e não à exaltação e auto-defesa, ajudará  o Síndico a manter o respeito à sua posição em uma Assembleia.

      Será da maior importância para o bom andamento dos trabalhos que o Síndico tenha uma ou duas reuniões prévias com o Conselho e o Subsíndico a fim de estabelecerem  uma estratégia de conduta com a possível participação de todos de acordo com os trabalhos realizados, a experiência, os conhecimentos e a aptidão de cada um.
       
      Como vemos, as funções do Síndico são da maior importância; pode-se dizer que são a alma do condomínio. Não só de acordo com as leis mas também na prática, é ele quem, junto com o Subsíndico e o Conselho assim como com a Administradora (se houver) e outros Serviços de Assessoria, planeja e decide sobre a segurança e a qualidade da vida no condomínio enquanto moradia dos seus condôminos. No final, sempre é bom não se esquecer de que o Síndico e apenas ele, responde ativa e passivamente pelos resultados das ações de todos. Ainda que conte com a colaboração dos Conselheiros, Subsíndico e zelador, o Sindico não deve menosprezar nem ignorar quaisquer comunicados sobre ocorrências no Condomínio por menos importante que possam parecer, uma vez que deverá ter o controle de tudo.  

      Seu trabalho poderá ser facilitado - a Lei lhe faculta -, na medida em que estabeleça regras de competência ao pessoal de serviço, ao Subsíndico e aos seus Conselheiros para registros e orientação das ocorrências esperadas no decorrer de certos períodos de tempo. Lembramos, dentre outras, as seguintes medidas: a) manter a grade de serviços dos funcionários preparada com antecedência, estabelecida a previsão de possíveis ocorrências emergenciais; b) encarregar o zelador ou outro funcionário apto, de certos trabalhos de rotina tais como registros de gastos, acompanhamentos de serviços previamente agendados etc.; c) solicitar a colaboração de sua equipe diretiva para certos eventos e trabalhos emergenciais a exemplo de Comunicados, Avisos, Orientação a Técnicos chamados para determinados serviços; d) encarregar o Subsíndico de representa-lo em situações de sua ausência com impossibilidade de administração por vias indiretas; e) elaborar e manter uma relação de Serviços e os meios de comunicação a serem agilizados  por ocasião de emergências na rotina do Condomínio. O Subsíndico terá em mãos uma via dessa relação enquanto outra estará na portaria para acesso ao zelador - ou ao porteiro no caso da ausência do zelador - o qual, em situação de dúvida, poderá tomar as medidas cabíveis mediante consulta ao Subsíndico se possível.  

      Finalmente, a autoridade do Síndico não ficará arranhada nem diminuída mas, ao contrário, será mais reconhecida e respeitada sempre que demonstrar humildade suficiente para reconhecer sua falibilidade humana e tratar com respeito, tanto as contribuições quanto as falhas dos funcionários, condôminos, subsíndico e membros do Conselho, sem jamais compactuar com situações de humilhação para qualquer um.

  2. Sobre o SUBSÍNDICO:

      Embora anterior ao Novo Código Civil, a Lei do Condomínio continua tendo validade quanto aos assuntos sobre os quais o Código Civil não se pronuncia. Na medida em que no novo Código Civil não são especificadas as funções do Subsíndico no Condomínio, continua a valer a Lei do Condomínio onde se destaca a afirmação de que " Se a Convenção do Condomínio contiver cláusulas que contrariem o Novo Código Civil, elas perderão automaticamente a validade". 

      A função de Subsíndico aparece implícita no Novo Código Civil quando dá à Assembleia o poder de investir outra pessoa em lugar do Sindico com poderes de representação (parágrafos 1 e 2, artigos 1347/8).
     Subentende-se também a presença do Subsíndico quando o Código estabelece que o Síndico pode transferir a outrem, total ou parcialmente, poderes de representação ou funções administrativas mediante aprovação da Assembleia. Isto desde que não haja restrições na Convenção do Condomínio. Na Lei do Condomínio, o parágrafo 6 do artigo 22 estabelece: "A Convenção poderá prever a eleição de Subsíndico definindo-lhe atribuições...".

      Normalmente nas Convenções são consideradas situações em que o Subsíndico deve assumir a função de Síndico:
1- ausências de curto prazo para os quais o Síndico deverá informar o Subsíndico sobre os assuntos administrativos que irão ocorrer;
2- férias, caso em que o Sindico deverá informar o Subsíndico também sobre os assuntos já resolvidos mas que podem apresentar problemas, a situação dos que estão em andamento e aqueles que deverão ocorrer antes de sua retomada da função e quais providências deverão ser tomadas;
3- renúncia ou morte. Nestes casos o Subsíndico assume o cargo de Síndico provisoriamente e deverá convocar uma Assembleia Extraordinária para uma nova eleição de Síndico.

     Embora na legislação geral o Subsíndico seja um personagem invisível, quase inexistente, a prática mostra que ele pode tornar-se um membro muito importante do corpo diretivo do Condomínio. Para o bom desempenho de sua função - embora implícita - de substituto emergencial do Síndico,  o Subsíndico deverá, tanto quanto o Síndico, conhecer as diretrizes gerais e específicas que norteiam os trabalhos em seu Condomínio e acompanhar a sua aplicação nas atividades do dia a dia.
     É a sua qualidade de condômino, mais do que a de uma autoridade velada, que coloca o Subsíndico mais próximo da vivência diária assim como das reações dos condôminos aos acontecimentos, suas opiniões e críticas. Sua posição lhe permite observar,  numa visão de conjunto, muitos dos resultados da gestão e fornecer ao Síndico "feedbacks" para sua ação.

     O Síndico capaz de perceber, orientar e aproveitar as condições especiais  de participação do Subsíndico no trabalho de gestão, ganhará um valioso auxiliar. Porém, jamais deverá enveredar por situações que coloquem, em seu nome, o Subsíndico com poder e autoridade independente, de forma mais ou menos permanente. De acordo com seus conhecimentos, princípios e valores, poderá passar a funcionar como uma "Eminência Parda" por trás do Síndico sem arcar com a responsabilidade que compete única e exclusivamente a este.
     
      A ausência de uma clareza maior na definição que o  Novo Código Civil oferece sobre a participação e função do Subsíndico na gestão do Condomínio, coloca em cheque a possibilidade de conhecer e avaliar a capacidade e a aptidão do condômino a ser  escolhido para tal cargo. Em consequência,  impede também que se possa estabelecer padrões para avaliação de seu trabalho por ser ele emergencial e variável no decorrer do mandato do grupo gestor.

      O que podemos com certeza afirmar face à realidade dos resultados aparentes e mensuráveis da gestão de um Condomínio é que embora o papel do Subsíndico não se destaque individualmente, pode ser um dos mais decisivos na obtenção daqueles  resultados nem tanto aparentes e menos ainda mensuráveis mas que correspondem mais de perto aos objetivos de todo Condomínio Edilício, qual seja, o de transmitir aos seus condôminos o  sentimento de bem-estar, de segurança, e de estabilidade em sua moradia. 
      A finalidade maior do Condomínio Residencial ou Edilício, de ser uma comunidade de moradias é  ressaltada pelo fato de o Novo Código Civil diferenciar o Condomínio Edilício do Comum (artigos 1.331 a 1.358). No primeiro há unidades condominiais ( áreas privativas de propriedade dos condôminos ) e áreas comuns ( pertencentes ao conjunto dos condôminos na forma de frações ideais ). No Condomínio Comum, a área total pertence, em conjunto a um grupo de indivíduos. São co-proprietários formando um grupo,  uma Empresa, uma Associação ou uma Sociedade cujos objetivos não cogitam de moradia para o conjunto dos  co-proprietários.

     Assim, num Condomínio Edilício onde moramos, o  Subsíndico pode desempenhar uma ação conciliatória e estimuladora entre condôminos, funcionários, membros do Conselho  e entre estes e o Síndico, porque tem condições para ir mais fundo na curiosa trama da interação humana que caracteriza a vida ao mesmo tempo  autônoma e comunitária em Condomínios. 
     Se pensarmos no Condomínio como um organismo vivo, a função do Subsíndico representaria o coração, o elemento de ligação entre a alma (Síndico), a cabeça e os membros (Conselho) desse organismo vivo em movimento (Condôminos).

3 - Sobre o CONSELHO:

      3.1 - Do Conselho Fiscal:

       O artigo 1.356 do Novo Código Civil estabelece: "Poderá haver no condomínio um Conselho Fiscal, composto de três membros, eleitos pela Assembleia, por prazo não superior a dois anos, ao qual compete dar parecer sobre as contas do síndico". 
      
       Ora, os próprios síndicos, administradores de condomínios e pessoal que estuda e acompanha esses empreendimentos, são unânimes a considerar que um Conselho Fiscal não poderá ser confundido nem simplesmente exercer em conjunto as suas funções e as do Conselho Consultivo como, em geral, estabelecem as Convenções Condominiais. A ausência de condôminos com preparo adequado para missão tão importante quanto complexa, explica o fato de que "a maioria dos Conselhos é levada a ser entendida  como um órgão de função meramente burocrática ou secundária".
      Mas aqueles que trabalham em ou com Condomínios, consideram o Conselho Fiscal um órgão complementar do Condomínio, cuja atuação é de fundamental importância para a " vida e saúde do Condomínio". É fato que a grande maioria dos síndicos contrata os serviços de uma Administradora para assessora-los na contabilidade fiscal do Condomínio.

      Surge, então, um problema comum nos Condomínios:  o de que muito raramente se encontram condôminos com capacidade e disponibilidade para ao menos  fiscalizar adequadamente a contabilidade fiscal. 
      Diante da especificidade dessa função nesse tipo de conjunto residencial  e dos problemas que nele se apresentam, ainda que haja uma Administradora,  o Conselho Fiscal ainda continuará tendo uma missão complexa. Não só acompanhar os trabalhos que envolvem serviços, reformas, contratos etc. mas, sempre que necessário, sugerir modificações em respeito ao elemento humano - os condôminos - ao qual caberá  compreender e julgar os resultados finais da contabilidade e suas consequências nas taxas condominiais mensais. 
     Neste caso o Conselho Fiscal deverá sugerir o uso de ferramentas gerenciais que possibilitem uma fiscalização eficiente. Dentre as mudanças sugeridas a elaboração do balancete é uma das mais importantes. Além de atender os preceitos fiscais, deverá ser elaborado com um "layout" de fácil leitura e compreensão pelos condôminos. Desse modo estes poderão atuar de forma mais construtiva em Assembleias e junto á Administradora.
      Vale ressaltar a importância de o síndico buscar uma Administradora competente através de consultas a "experts", a autoridades na área e ouvir as recomendações de outros síndicos por trabalhos executados em seus Condomínios. Desse modo poderá contar com uma parceira de sua inteira confiança.

     Com certeza um Conselho Fiscal com essas características e funções levaria os condôminos a um maior interesse e participação nas atividades condominiais, nas Assembleias, tanto Gerais quanto Extraordinárias, assim como uma maior familiarização com a Convenção e o Regimento Interno de seu Condomínio.

      3.2- Do Conselho Consultivo

      Embora de extraordinária importância, um Conselho Fiscal assim pensado, ainda não teria condições de contemplar todas as funções de um Conselho pleno, como as que são exigidas tanto pelos objetivos quanto pela realidade da vida em Condomínio. 
      O Novo Código Civil parece ter se esquecido de que o Conselho Fiscal contempla apenas  a máquina condominial e que esta foi criada para dar sustento material à vida humana que acolhe e que lhe dá sentido. 

     No momento em que o Conselho Fiscal está preocupado apenas com a execução e controle das atividades econômico-financeiras do Condomínio, deixa de levar em conta os fatores humanos dos quais elas decorreram. A hipertrofia de um Conselho Fiscal sem o necessário cuidado com as condições econômicas  individuais e sociais dos condôminos, isto é, das suas condições de vida, é um exemplo de desconhecimento do grupo gestor em relação à finalidade última de um Conselho: trabalhar para que esse tipo urbano de residência seja realmente a moradia daqueles que o habitam. É se esquecer de que sem o criador a criatura  não existe. Se o condomínio não for o local que oferece tanto segurança quanto o bem-estar aos seus condôminos, os seus apartamentos nunca serão sua verdadeira moradia.

     Eis aí, por trás da aparente simplicidade da posição social dos Conselheiros, o evoluir da complexa trama econômico-financeira e social que detém as condições para transformar ou não, simples apartamentos de um condomínio residencial em moradias para seus condôminos. Daí a importância do Conselho Consultivo.

      A Lei federal dos Condomínios e Incorporações, em seu titulo I (Do Condomínio), no Capítulo VI (Da Administração do Condomínio), o art.23 dispõe: "Será eleito na forma prevista na Convenção, um Conselho Consultivo, constituído de três condôminos, com mandatos que não poderão exceder de dois anos , permitida a reeleição".
     Parágrafo único. " Funcionará o Conselho como órgão consultivo do síndico , para assessora-lo na solução dos problemas que digam respeito ao condomínio podendo a Convenção definir suas  atribuições específicas".

     A função primordial do Conselho Consultivo será, portanto, sugerir medidas visando atender as necessidades e interesses gerais dos condôminos. Isso poderá ser feito mediante a avaliação dos resultados e propostas do Conselho Fiscal tendo em vista: as condições financeiras disponíveis do Condomínio, o panorama e a previsão da situação sócio-econômica do Município, do Estado e do País e as disponibilidades dos condôminos demonstradas por suas propostas e nas suas decisões a respeito do conjunto das possibilidades que se lhes apresentam.
      A partir dos dados assim obtidos, o Conselho Consultivo poderá avaliar os resultados apresentados pelo Conselho Fiscal em termos de custo/benefício e economia privada para evitar o aumento impraticável de rateios e taxas condominiais mensais. 
      Sua função final será colaborar com o Síndico ao qual caberá dar a ultima palavra
e para tanto  deverá estar bem informado pelo Conselho Fiscal (ou o conselheiro designado para essa função) e pela Administradora.

      Nesta perspectiva podemos entender o objetivo último do  Conselho Consultivo como a da análise final - uma extensão das funções do Conselho Fiscal - uma vez que suas decisões se baseariam, em grande parte, nos resultados do trabalho do Conselho como um todo. Seria uma dupla função de análise - a partir de dados matemáticos e estatísticos considerados à luz do contexto social  que lhe deu origem - e recomendação.

      Ambas as funções, Fiscal e Consultiva, poderiam coexistir com a conotação de Conselho Consultivo  como quer a nossa Convenção, desde que um órgão administrativo - a exemplo das Administradoras  - esteja devidamente preparado  para dar o suporte necessário.
     É importante lembrar aqui que uma boa Administradora não deve ser um arquivo padronizado de modelos para uso em todos e quaisquer condomínios que venha a administrar. Nem o Condomínio deve constituir um arquivo onde cada aspecto, cada problema está contido numa gaveta com chave numerada. Ao contrário, ele é um conjunto dinâmico que, como um todo, acompanha as mudanças nos interesses e necessidades da comunidade à qual serve. Ele é tanto mutável em relação a si próprio quanto em relação aos outros Condomínios. Daí a necessidade de uma Administradora suficientemente flexível em recursos materiais e intelectuais para adequar-se às particularidades de cada Condomínio. 

  III - Da CONVENÇÃO DO CONDOMÍNIO e seu  REGIMENTO INTERNO

      A partir do dia 11 de janeiro de 2003, quando entrou em funcionamento o Novo Código Civil, toda a legislação brasileira a ela se adequou. Assim foi com a Lei dos Condomínios em relação ao Novo Código Civil, a Convenção dos Condomínios em relação às duas anteriores e o Regimento Interno em relação às três anteriores.

      A Convenção de um dado Condomínio determina para aquela unidade a aplicação da Lei dos Condomínios, respeitando sua especificidade. 
      Por sua vez, o Regimento Interno do Condomínio explicita em termos de regulamentos e normas de comportamento o que está estabelecido na Convenção.
     Sempre que houver numa dessas leis, normas ou regulamentos, imprecisão, falha ou omissão, predominará a lei do Código Civil. De outro lado, sempre que em algum aspecto o Código for omisso ou impreciso, predominará o estabelecido na Lei do Condomínio ou na Convenção do Condomínio.

     As palavras de ordem de uma Convenção de Condomínio são "Direitos e Deveres" e os seus termos deverão cobrir as "disposições" das coisas materiais e a "adequação dos comportamentos" tendo em vista as construções e os seres humanos que o compõem. Em última análise, constitui o guia para as situações e ações dos indivíduos que buscam num Condomínio a sua moradia.
      O  Grupo Gestor do Condomínio deverá obedecer à Convenção e seguir o Regimento lembrando-se de que as necessidades e interesses dos condôminos - em razão dos quais ambos os documentos  foram elaborados - devem ser sempre a preocupação maior. 

      A fim de  alcançar os  objetivos  colocados no Plano de Trabalho o Síndico e o Grupo Gestor contarão, de um lado com os bens materiais do Condomínio - as construções e seu erário representado pelos  saldos bancários , investimentos e a arrecadação mensal das taxas condominiais - e, de outro lado, com os recursos humanos representados pelo conjunto dos condôminos, moradores ou não, o corpo de funcionários e a assessoria dos Serviços contratados. 

      É muito importante que o Síndico, com a assistência do Subsíndico e do Conselho, nos termos da legislação vigente e obedecendo o Regimento Interno, nunca tome medidas que possam introduzir mudanças na rotina de vida dos condôminos, sem o conhecimento e a anuência destes. Ele perderia, para sempre, a possibilidade de obter  a sua colaboração voluntária. 
      Como todo ser gregário, o condômino é cioso de sua propriedade no que diz respeito à sua sobrevivência, sua posição perante seus iguais ou sua auto-identidade
      Neste sentido, qualquer membro do Grupo Gestor deverá sempre, antes de colocar um aviso, um comunicado ou modificar uma regra ou costume vigente no Condomínio, aguardar um período para esclarecimento e justificativa mostrando o lado da necessidade da medida, seu beneficio e utilidade a todos. 0 ideal é discutir a introdução de uma mudança significativa em Assembleia de modo a levar os condôminos a encara-la como opção sua ou proposta de seu interesse.

       Por razões dessa natureza é tão importante que o Regimento Interno seja lido e bem conhecido dos condôminos para se familiarizarem com ele. Uma boa medida é formar grupos para analisar e discutir tópicos em várias sessões para que seja interessante e não exaustivo.
      Tanto a Convenção quanto o Regimento devem constituir uma fonte de consulta para os procedimentos no Condomínio mas nunca deverão deixar que seu poder possa interferir ou ser confundido com o poder de propriedade que somente o condômino detém. 

      Sentir-se "em casa" é a primeira sensação que define um lar, uma moradia. Para que isso ocorra é preciso que duas condições estejam presentes. A primeira é a certeza da posse, da propriedade, de um lugar seu, que dependeu de si para existir do jeito que é. Ainda que seja por locação, ele é pago com seu dinheiro para ser somente seu. A segunda condição é a privacidade, o seu mundo, onde você retira a máscara social que todos usamos quando estamos  com outros; onde tem a liberdade de fazer o que quiser, de expressar o que tem  dentro de si sem o olhar crítico de outra pessoa. Essas duas condições o condomínio pode e deve lhe oferecer.

      Mas o homem não vive somente dentro de seu apartamento. A maior parte de seu dia e as vezes longos períodos de tempo, ele passa longe de seu lar, no trabalho, em viagens. Muitas vezes ele estabelece uma rotina de vida em lugares fora de casa mais estável do que a que tem no seu lar. São lugares que fazem parte de sua moradia, embora o seu centro seja o lar. Essas atividades e ainda outras, compõem o conjunto de situações que definem e caracterizam sua moradia e podem estar presentes ainda que more em Condomínio.  Além  disso, enquanto estiver fora de casa, seus bens e sua família estarão seguros, tanto por medidas de proteção legal (seguros condominiais) quanto pelas medidas de segurança interna do Condomínio.

     Um último aspecto resta comentar:
     Sempre existirão aqueles que ainda preferem as casas antigas, térreas ou sobrados, mas somente deles, onde há árvores que podem ser plantadas, hortas e pomares onde frutas e verduras podem ser colhidas. Em geral são, de um lado,  aqueles idosos saudosistas que se agarram às lembranças do passado. De outro lado, são os adultos cuja profissão os mantêm muito frequentemente fora do lar e sonham com a casinha entre árvores, perto de um lago com o canto dos pássaros em volta.  Eu também estou no primeiro grupo. Lembro-me com saudades de fazendas de meus avós e sogro, ainda vou ao paradisíaco sítio de minha irmã. Mas não trocaria minha vida de hoje pela de ontem nem gostaria de voltar no tempo. 

     A diferença entre meu modo de pensar e a dos outros que gostariam de regredir ao antigo é que eu aprendi (ou não me esqueci) de usufruir o que o mundo me oferece. Ele muda continuamente e eu mudo com ele aproveitando o que de melhor pode me oferecer. 
     As praças me dão o verde, as flores as fontes e os riachos; os espaços públicos e privados de Clubes e Associações me oferecem atividades de lazer, exercícios físicos e cultura. Em todos eles encontro pessoas que podem tornar-se conhecidos e amigos, virem à minha casa e eu às deles. O mundo hoje esta aos pés de toda população. Enfim, posso ter tudo que havia antes e mais, com os recursos das descobertos feitas pelo homem. E tudo que aprendo no bairro e na cidade posso compartilhar com os outros condôminos, meus amigos e conhecidos nos espaços comuns de que podemos  dispor.

      O morador em Condomínio só não encontrará nele a sua moradia se não quiser. Ele é um cidadão e um contribuinte; pode ser usuário do bairro e da cidade onde vive, pode usufruir de seu apartamento e das áreas comuns do seu condomínio. Só não o poderá se não quiser retirar  de dentro de seu íntimo, o interesse, a vontade, o desejo de viver que, provavelmente, lá foram sendo enterrados pelo sucessivo acúmulo de sentimentos negativos perante a vida. Os condôminos desse tipo são os idosos, não por idade mas por opção. 

     Cabe à gestão do Condomínio trabalhar para fazer dele a moradia do conjunto de condôminos que nele habitam.       






domingo, 9 de abril de 2017

A MINHA, A TUA, A NOSSA MORADIA

         Este texto surgiu de um questionamento que me fiz e que transformou minha maneira de ver a vida.

        Sempre gostei de mudar de casa sem que houvesse razão aparente ( ou consciente) para sentir tal necessidade.  A satisfação inicial de comprar, reformar e deixar tudo como eu pretendia, era logo substituída pela monotonia, desconforto e a esperança de que outra, em outro local, seria o que eu esperava. Ao mudar-me para uma cidade grande comecei a morar em condomínios e o tempo de permanência no mesmo apartamento começou a ser menor ainda.  Não tinha amigos nem participava de grupos, associações comunitárias ou clubes a não ser a trabalho. Trabalhava bastante e vivia com e pela família.

        Ao me aposentar, mudei-me novamente, desta vez para Santos, cidade no litoral do Estado de São Paulo, que estava começando o seu desenvolvimento para hoje ser considerada uma das ou talvez a cidade com melhor qualidade de vida para se viver, especialmente para os idosos e aposentados.

         Levei um ano para começar a me adaptar física e mentalmente à cidade com seu calor e humidade, à luminosidade do sol, ao cheiro da maresia que vinha com o pulsar constante do mar e o tempo....tempo que não passava ... E eu queria voltar logo para a cidade grande onde havia vida, trabalho, onde o tempo era precioso e os compromissos eram cumpridos no tempo marcado.

        O que mais demorou foi mudar o meu conceito de tempo. Como esperar horas, dias, para um eletricista vir fazer uma instalação solicitada? Que falta de consideração! Se foi solicitada era necessária e cumprir o trato feito seria profissionalismo, senão obrigação e respeito!  Mas tudo andava devagar, o trabalho  era uma parte da vida e não a razão do viver.

        Andei trocando de apartamentos mais três vezes e aos poucos, fui entrando no ritmo do devagar também se chega lá. A cada vez me aproximava mais do SESC onde, juntamente com meu marido, começara a praticar atividades físicas e conhecer gente.

       Foi quando percebi o quanto eu havia mudado. Fisicamente eu estava mais velha - lá se tinham ido dez anos -, e também via o mundo diferente. Eu já era uma santista calma e sociável de corpo e alma.

       Então me perguntei: Por que não me sinto insatisfeita como sempre, neste condomínio? Por que em cinco anos que moro neste apartamento, somente fiz pequenos reparos e consertos e nem me incomoda esta parede do meu quarto  pintada de camurça, se detesto cores escuras em interiores? Nem leio mais nos jornais as páginas de classificados em busca de ofertas de apartamentos à venda?

       Eu não desejo sair daqui! Mudar significa deixar este local, amigos e conhecidos deste condomínio, de outros aqui perto que encontro no SESC, nas ruas indo às mesmas panificadoras, farmácias, lojas, feiras e eventos; significa desapegar desta praia com seus quiosques, rodinhas de conhecidos para bater longos papos tomando caipirinha ou agua de coco com iscas de peixe... Não, gente! Aqui, agora, este Condomínio neste local desta cidade, não é mais onde habito! É onde moro. É isso que sempre busquei; meu lar na minha moradia.

       Finalmente entendi que morar é diferente de habitar. O significado de morar é mais amplo, mais aconchegante do que apenas habitar ou residir. Mais do que viver, morar é  con-viver. Morar não é viver num local e estar apenas fisicamente perto de tudo que me cerca. É me sentir parte do local em que moro e das coisas e pessoas de quem eu me aproximo e que se aproximam de mim. Se me sinto parte de algo é porque com ele eu convivo, eu dou e recebo. Entre eu e meu ambiente (incluindo coisas e pessoas) há um campo vivo de atividades, físicas e mentais, em constante movimento.Tudo que me toca mental e/ou fisicamente  me modifica, me transforma, convive comigo como parte da minha moradia, da minha identidade, do meu eu.

       Na cidade grande eu continuo tendo um endereço, uma habitação num condomínio onde resido quando tenho algo lá a fazer. Mas não vejo a hora de deixar a poluição, o barulho, o trânsito maluco, o anonimato das ruas e o isolamento dentro daquele condomínio. Porque este tipo de vida não é humano, nele não cabe a humanidade. Para ter humanidade, para eu saber que sou uma  pessoa como as demais, eu preciso do outro, daqueles  que se aproximam para me mostrar, por atos e palavras "o que" e "como" eu sou.

      São as amizades, os trabalhos, a busca dos objetivos e sonhos  de um grupo, de uma família,  as lutas para a solução de problemas comuns, o apoio nos sofrimentos e as alegrias pelas vitórias de cada um que compõem a moradia de uma pessoa. Seja ela um barraco de favela, uma residência de vila, um sítio em zona rural, um apartamento de condomínio residencial, será sempre o lar (minha morada), o centro da minha moradia.

       A história do homem e da sua evolução mostra bem o processo de transformação do seu local de vida a partir dos seus primeiros habitats até chegar ao importante e complexo significado de moradia e sua relação ao atual conceito de ambiente de vida..

       A vida comunitária humana, a exemplo dos animais, começou nos habitats, locais onde grupamentos de indivíduos erguiam suas habitações ou escolhiam suas cavernas para nelas permanecerem durante determinado tempo ou estação do ano,  após o que partiam para outras direções e locais. Nessa época não se pode dizer que havia uma vida comunitária como a que foi sendo construída no decorrer do tempo. Os meros contatos entre os habitantes reunidos num grupo,  tinham por objetivo facilitar a caça, as permutas e a comunicação visando a sobrevivência do grupo.

         Aos poucos, de início muito lentamente e depois de forma cada vez mais acelerada - porque o homem nasce equipado para isso -, a vida intelectual e emocional começou a desenvolver-se tanto mais rica e rapidamente quanto maior e mais próximo um grupo estivesse a outros. Os contatos entre si levaram os habitantes a aprender  a se comunicar cada vez melhor e a buscar na natureza à sua volta os recursos de que precisavam para deixarem de ser tribos nômades. A estabilidade e a segurança cada vez maiores, permitiram cultivar a convivência. Suas habitações passaram a ser residências sem tempo de validade enquanto muitas das pessoas de sua convivência mais íntima começaram a fazer parte de sua família. As famílias começaram a configurar grupos ligados não só pela  consanguinidade como por fatores sentimentais e de interesses materiais. O homem começou então, ao invés de adaptar suas necessidades ao que era produzido naturalmente pela Natureza,  a ampliar e manipular os recursos da Natureza para satisfazer suas necessidades na mesma  medida de seus conhecimentos e interesses. Era o início da exploração comercial e industrial da Natureza pelo homem.

       O progresso que levou à diversificação das atividades econômicas  e o advento da tecnologia principalmente, introduziram tantos novos elementos na vida do homem em sociedade que as formas de trabalho passaram a exigir mais tempo em locais diferenciados. Ele começou a viver, alem do local onde residia, também naquele onde trabalhava. Nestes, começou a conviver com as pessoas e ambientes que definiam e caracterizavam a rotina das atividades que realizava.

     Hoje o conceito de Moradia passou a  abranger o conjunto dos  lugares e pessoas e/ou grupos onde e com os quais o homem vive e convive. O seu espaço de vida na sociedade e no mundo. Atualmente é muito frequente que homens e mulheres passem  mais tempo nos locais de trabalho, em viagens, em serviços fora de casa ou participando de atividades em grupos,  do que em seus lares.

      Atrelado à contingência do desenvolvimento econômico principalmente, o trabalho das mães fora de casa são as causas de que,  a partir de bem novas, muitas crianças estejam crescendo com um sentido mais amplo de moradia e de família por passarem grande parte de sua vida em berçários, creches ou em atividades de tempo integral nas escolas, em convivência com cuidadores e/ou professores. São os "tios" e "tias" que passaram a ser vistos como parte singular das famílias.

     As atividades que exigem um tempo da vida  fora do lar fazem parte dos fatores que emprestam um tipo de identidade, determinam características que marcam e definem locais e pessoas, um grupo ou uma população. Por exemplo, o indivíduo pode adquirir um "status" social ou certas características de identidade por ter sido aluno de uma escola, ter sido ou ser membro de um clube, pertencer a uma linhagem, fazer parte de uma equipe, de um grupo religioso, ser morador em um condomínio, um bairro, uma cidade, um estado ou um país, ter uma cidadania etc.

     É esse tipo de identidade, de aproximação implícita, que dá um novo sentido ao conceito de família ligado ao de moradia. Ele transparece, por exemplo, na conotação fraterna dos cultos e "Irmandades" religiosas assim como nos títulos de "Pai", "Mestre", "Guia" e em afirmações tais como: "você é meu irmão (ou minha irmã) por opção", "você mora em meu coração", "você está sempre comigo" ou ainda, " você sempre estará em meus pensamentos".

       Esses conceitos evidenciam o fato de que os homens  dependem uns dos outros para conhecerem a si próprios, para construirem a sua identidade. Se você morar em um bairro, seus vizinhos e amigos do bairro, para o bem ou o mal, acrescentarão algo na maneira como vê a si próprio. Enquanto você e eles lá morarem e mesmo depois, terão introduzido ou mudado algo,  uns da vida dos outros.

    Enfim, se estiver morando em um condomínio, com diferentes  graus de aproximação os condôminos se identificarão como um grupo onde, de um lado, são únicos proprietários de  suas unidades condominiais privativas e autônomas, isto é, únicos donos de seus apartamentos e, de outro, são co-proprietários ou seja, igualmente donos, das áreas comuns do condomínio. Um terceiro lado pode mostrar a rede  das interações que se estabelecem entre os condôminos deste com os de outros condomínios vizinhos, ainda  mais complexa quando houver passagens de serventia entre dois ou mais condomínios (passagem comum para chegar a uma rua). A interação se estende a funcionários e inquilinos, dos quais se tornaram amigos ou apenas conhecidos. Todos estarão participando, modificando, enfim colaborando na construção de uma "linguagem" comum, da imagem que cada um faz de si próprio e dos demais, como moradores daquele ou daqueles condomínios.

      Morar junto, portanto, não é  apenas co-habitar mas con-viver. Um condômino pode se negar mental e emocionalmente ao convívio com os outros, pode se confinar em seu apartamento e se sentir só e abandonado,  embora fisicamente próximo dos demais. Ele se sentirá isolado porque a vida dos demais condôminos nunca fizeram parte da sua nem por interesse, nem por trabalho ou atividade.

      Infelizmente muitos são os Condomínios onde ocorrem esses casos e muitas vezes o grupo gestor poderia ajudar. Alguns exemplos de situações bastante frequentes em que os gestores não percebem o aspecto humano de seu trabalho: o do síndico que não mora no condomínio nem toma conhecimento do que lá acontece e deixa nas mãos da administradora o que lhe competiria fazer; o do subsíndico oculto cujo nome praticamente nenhum condômino conhece; o do conselheiro figurativo que assina os demonstrativos contábeis mensais  mas não os lê e que nem comparece às Assembleias e, finalmente, o daquele condômino que tem lá um apartamento para passar férias ou fins de semana mas não faz questão de conhecer ou ser conhecido das pessoas do condomínio.

      É da qualidade de vida, da harmonia da convivência e da auto-identificação das pessoas com o seu condomínio sob a direção de um grupo gestor esclarecido, que irá sendo construído o conceito de moradia e, com ele, o da segurança e bem-estar de cada um.

    Quando o homem entender que a vida atual nada mais tem a ver com o passado; que as famílias se distanciam cada vez mais, tanto por seu trabalho e suas atividades e seus amigos quanto pelo local onde estão morando, ele perceberá que esse vazio deve e pode  ser preenchido por outras atividades com seus próprios amigos. Enfim, que no mundo moderno é importante que o homem encontre seu ponto de equilíbrio social e individual e uma das formas para isso é entender o novo conceito de moradia.

    Sem dúvida, o que foi dito aqui não é segredo para ninguém. Não o foi para mim. E o fato de aparentemente parecer difícil de entender não significa que seja impossível praticar. Às vezes o que está muito perto é o mais difícil de ser encontrado. Se pensarmos bem, ser feliz depende inteiramente de nós e não do que está fora de nós. Tudo no mundo tem duas faces opostas e cabe a nós  escolher a qual desejamos. Há os que procuram o lado negativo da vida, o feio, o triste e os que preferem o outro lado, pois sempre há o positivo, o belo e o alegre nas pessoas e coisas.

    Acho que eu comecei a encontrar minha moradia quando me interessei pelo mundo, pelas pessoas e comecei a ver que meu lar e meu ambiente de vida não dependiam do que estava fora de mim mas do que estava dentro, de como eu via e interagia com o que estava à minha volta.

    Assim, percebi que minha moradia é a que eu construo quando equilibro o que tenho dentro e fora de mim e, com esse sentido meu apartamento poderá ser sempre minha moradia onde quer que esteja, e com o que estiver em volta. Eu, como todo ser humano, tenho o poder de mudar, de transformar meu mundo e as pessoas com as quais vou interagir. O significado que as pessoas e as coisas têm para mim é aquele que atribuo a elas. Quando precisar ajuda, posso pedir e também posso ajudar.

    A interação leva ao crescimento e ao bem de todos. Neste caso há sempre esperança para o  meu, o nosso condomínio, a minha, a nossa moradia neste imenso Condomínio chamado Terra que o homem habita dentro do Universo.


 
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