terça-feira, 14 de agosto de 2012

Portas Para o Mundo

O mundo terá portas? Então o homem ainda não as achou e, muito menos, encontrou chaves que as abrissem. É de conhecimento geral a afirmação de que se o homem não tivesse uma linguagem falada e escrita estaria no estágio dos animais irracionais. Será mesmo? Será a linguagem a única chave para o homem interagir com seus semelhantes no mundo? Daí a grande interrogação: o homem fala porque pensa ou pensa porque fala ? A dificuldade crescente que o idoso manifesta para se comunicar, seria decorrente de falhas em seu pensamento ou perda de vocabulário? Tanta gente fala, fala, e não diz nada e quantos, com  uma simples frase "mandam claramente o seu recado" ! Vamos pensar um pouco (falar consigo próprio) sobre a linguagem humana e tentar não partir de premissas falsas para não chegar a conclusões erradas.

Certa vez, em minha carreira profissional, realizei um estudo com o objetivo de identificar e analisar alguns aspectos da aprendizagem da leitura e da escrita por crianças recém-alfabetizadas. Em outras palavras, eu queria saber em que medida o aluno demonstra, com a aprendizagem da linguagem falada e escrita, estar encontrando um instrumento eficaz para interagir com as outras pessoas em seu ambiente de vida.
Nesse trabalho, procurei focalizar os exercícios de redação de alunos da 1a. série do ensino fundamental realizados do início ao final do ano letivo. 
Obtive várias informações interessantes e, dentre elas, alguns resultados se destacaram pela importância que me pareceram ter diante da questão proposta sobre o papel da internet no dia a dia do homem em todas as idades.


Oque pude observar, a partir dos resultados em destaque, ficará mais claro pela análise de dois exemplos de exercícios escolares nos quais os alunos deveriam formar sentenças (frases) com palavras dadas. 

Em um dos exercícios examinados, realizados no início do ano letivo, a criança deveria formar uma sentença utilizando a palavra " boneca". A aluna escreveu: "Ganhei uma boneca loura com cabelos louros". A professora riscou em vermelho "...com cabelos louros." e explicou à criança que a frase estava errada porque "uma boneca loura" já significava que tinha cabelos louros. Não deveria repetir, era uma redundância dizer a mesma coisa duas vezes.
No caderno de um aluno de outra classe, também realizado no início do ano, o exercício era escrever uma sentença com a palavra "galinha" . E o aluno escreveu : "Minha mãe pôs para chocar uma galinha choca ". Do mesmo modo a professora considerou errada a frase, pois não se poderia colocar para chocar uma galinha que não estivesse choca!

Ora, em ambos os casos as professoras é que estavam erradas em sua avaliação dos dois alunos.
No primeiro exemplo porque não levou em consideração o fato de que nem todas as pessoas de pele clara (louras) têm cabelos louros, assim como muitas morenas se apresentam louríssimas (os cosméticos que o digam!). E, naturalmente, para a criança as bonecas representam pessoas como as que conhece.
De maneira semelhante, a professora errou no segundo exemplo por não saber que nem toda galinha choca é deixada para chocar. Ao entrar em choco, a galinha pára de pôr ovos durante um certo período de tempo. Entretanto, se não encontrar ovos nem puder fazer ninho, em pouco tempo ela sairá do choco e voltará a pôr ovos. Nas zonas rurais, é o que as pessoas as vezes faziam: prendiam a galinha no galinheiro. Sem ter ninho nem ovos para deitar sobre eles e chocar, em dois ou três dias a galinha choca saía do choco e a sua postura não ficará interrompida.

Então, o que faltou, a essas professoras, aprender para que o seu ensino da linguagem pudesse desenvolver no aluno a capacidade de se comunicar de modo claro pela escrita, mas sem perder a capacidade de nela expressar a sua maneira de ver e sentir o que desejava comunicar?

Ficou patente que, antes de ensinar a criança a falar e escrever com a "sua" 
linguagem (da professora), cada professora deveria procurar conhecer as razões que levavam seus alunos a perderem a sua linguagem própria. Deveriam  procurar, no ambiente do aluno, os fatores (forças), responsáveis pela formação e pelo significado das expressões peculiares que a criança, na escola, aprende a desprezar na sua escrita.
Essa constatação justifica, por exemplo, o fato de que, para o aluno de zona rural, não tem sentido resolver um problema sobre a deterioração de alimentos em "conteiners" por greve dos funcionários da "Libra Terminais" assim como para o aluno da Baixada Santista não interessa o problema dos efeitos desastrosos para os trabalhadores da cidade, causados pela paralisação do Metrô.

Pude observar, não só a distância entre a linguagem expressiva que a criança traz para a escola e a linguagem do professor, como as mudanças na linguagem da criança, sob a influência do professor no decorrer do ano letivo. Este  resultado importante do estudo foi obtido pela comparação da evolução dos primeiros aos últimos exercícios, dos mesmos alunos, realizados no ano letivo. Verificamos que, muito freqüentemente, no final do ano o trabalho escolar do aluno refletia as características da linguagem do professor. No decorrer do ano letivo o aluno aprendia a "copiar" a linguagem do professor provavelmente com a perda correspondente da sua espontaneidade e autenticidade de expressão.

Posso entender, então, que, enquanto com o ensino da linguagem escrita e falada, o professor abre para seu aluno uma porta para o mundo, ele pode estar, também, reduzindo ou desvirtuando sua capacidade criativa e sua espontaneidade. Você já não teve a sensação de que, quanto mais se tenta escrever corretamente, mais vazio e insosso parece ficar o pensamento que pretendemos transmitir através das palavras? Nossa mensagem fica fria e impessoal. Transmite o que criamos intelectualmente, o que é tudo o que sentimos emocionalmente. O processo da transmissão esvazia e muda o sentimento que quisemos comunicar. A linguagem de comunicação, é uma porta para o mundo intelectual, das idéias, da ciência, da tecnologia, não acessível a todos os indivíduos, nem a mais adequada a todas as situações.

Sozinha, a linguagem de comunicação é insuficiente, ... e o homem dela se defende!
Ao lado da linguagem falada e escrita, destinada a ser instrumento de comunicação, se desenvolve um outro tipo de linguagem, a de expressão. Enquanto a primeira é ensinada e aprendida, portanto se forma de "fora para dentro", esta, a de expressão, não é formada- ela nasce com o homem e se desenvolve segundo forças internas do indivíduo e compartilhamento da sociedade; portanto,"de dentro para fora".
Há uma imensidade de sinais sonoros, gráficos , visuais e táteis ligados aos nossos órgãos dos sentidos, que compõem uma linguagem universal entendida por todos. Esta linguagem, a expressiva, constitui uma porta para o mundo do pensamento, da emoção, do sentimento, enfim, toda a "manifestação"do que cada um tem de particular e que não cabe, inteira, na comunicação. É um meio de "pôr pra fora " algo que não suportamos guardar e que está além de uma comunicação fria e impessoal.
Inicialmente, o ser humano expressa suas necessidades pelo grito e choro, sua alegria pelo riso, seu interesse pelos movimentos. Mais tarde, estas reações vão ficando cada vez mais sofisticadas . Uma criança pode chorar quando tem dor, mais tarde chorar de saudade, de tristeza, ou de alegria por ter merecido uma medalha nas Olimpíadas ou, ainda, de emoção pela homenagem recebida dos filhos em seu aniversário. E ninguém deixará de entender o sentido de cada "choro". De outro lado, a expressão de uma emoção muito forte pode ir além das palavras e se traduzir por uma reação espontânea de movimento . A raiva pode levar à agressão física a outra pessoa ou mesmo a uma parede, com risco de quebrar a mão! 
As manifestações artísticas constituem a linguagem de expressão em sua forma mais sofisticada. São eternas e universais e têm merecido um lugar especial na escala das comunicações expressivas do homem.

Ainda que a linguagem expressiva não precise ser aprendida, para ser transmitida ela assume uma forma especial de comunicação; quando a sua manifestação exige  um instrumento, uma técnica. Por exemplo, técnicas de pintura, de escultura, de música etc. Ela é prazerosa e tem um efeito catártico no indivíduo mas, frequentemente é uma comunicação através dos sentidos. A linguagem de expressão não tem fronteiras. Pode ser reconhecida e interpretada por todos, e essa interpretação é particular, de cada um. Uma bailarina pode criar os movimentos de sua dança, assim como numa tela de pintura impressionista cada indivíduo vê o que sua própria emoção traduz em formas e cores. Mas, porque foge ao domínio das ciências, sozinha, ainda não é suficiente para uma interação satisfatória e completa do homem com o homem no mundo.

Ao contrário da linguagem de expressão, a de comunicação ( que, como vimos, precisa ser aprendida ), é codificada . O prazer que desperta é primeiramente intelectual. Ela não é universal, difere segundo os diferentes países. Já podemos concordar que há uma violência ao nosso pensamento quando tentamos colocá-lo nos moldes linguísticos, isto é, nas palavras, parágrafos, acentos, enfim, todas as exigências vernáculas destinadas a deixa-la  clara para o outro.
Se é um processo difícil o da aprendizagem da língua materna, imagine, então, a aprendizagem de uma língua estrangeira! E com o progresso da ciência e da tecnologia, que aproximam o mundo do homem, cresce, também, a necessidade de se conhecer outras línguas.

O fato de que a língua de comunicação constitui um código que precisa ser constantemente decodificado explica por que cada povo tem a sua língua própria, diferente das demais. Curioso, segundo o Dicionário Enciclopédico Brasileiro Ilustrado - 6a.ed.,1957 - naquela época já havia 50 alfabetos em uso, portanto, 50 "nomes" para a mesma coisa. Ainda quando dois países tenham a mesma língua - Portugal/Brasil, Inglaterra/ Estados Unidos, Espanha/Argentina, por exemplo-, este fato ocorreu  pelo efeito da colonização de um pelo outro. Mas, logo, as diferenças linguísticas começam a aparecer na fala e na escrita de tal modo que ambas não mais se confundem. 
Uma diferenciação desse tipo, embora menos profunda, ocorre na linguagem de algumas regiões do mesmo país. Cada região pode desenvolver expressões próprias, assim como um "ritmo" ou "melodia" que a identifica. São expressões idiomáticas que diferenciam a linguagem do homem do campo do habitante da cidade, a do nordestino do sulista, e assim por diante. Os “sotaques” são bons exemplos disso.
Ainda um outro tipo de diferenciação ocorre frequentemente na linguagem de comunicação pela influência de interesses e hábitos em grupos de indivíduos unidos por profissões  e interesses sociais muitas vezes decorrentes da faixa etária. É o caso dos modismos (palavras e expressões que são criadas e depois desaparecem da linguagem). Por exemplo a gíria dos adolescentes: "ficar", "mandar ver", "legal" , "jóia ", a linguagem usada por pessoas do mesmo ambiente de vida, trabalho ou profissão. São exemplos os termos usados entre os adeptos do futebol, a linguagem dos mecânicos, dos médicos, dentre outros.

Portanto, nenhuma dessas formas de linguagem, isoladas ou coexistentes, tem se mostrado um instrumento eficaz , uma chave para abrir as portas do mundo e permitir a todos os homens lá entrarem para uma integração harmônica com a natureza e os outros homens. 

Será, então, impossível a criação de uma linguagem universal? 
O famoso"Esperanto", língua auxiliar da comunicação universal ( elaborada pelo médico judeu Ludwig L. Zamenhof e divulgada em 1887 ), aparentemente não saiu da intenção.

Mas eu, assim como muitas outras pessoas, não posso acreditar nisso. O tempo de vida do homem na Terra foi relativamente curto frente ao que ele já conquistou. Se precisa de uma chave para as portas do mundo, mais cedo ou mais tarde ele a irá criar.

Será que já não a criou?
Será que as portas do mundo já estão abertas, apenas nós não as vemos?
A chave que as abriu não estará na nossa frente e não estamos fazendo uso dela?
Penso... não...!, já é uma realidade que a tecnologia abriu para o homem as portas do mundo. E acredito que também forneceu o instrumento, a chave para lá chegarmos.

Mas como foi criado tal instrumento?

Ele foi criado por várias pessoas, em várias partes do mundo e em diferentes campos do conhecimento. Seu objetivo não é ser algo à parte, mas parte do todo humano, independente de raça, credo ou sistema social.

Mas como ele é?
Enquanto linguagem, sua função é permitir a interação do ser humano com o mundo "sem sair do lugar" . 
Vários conhecimentos e idéias, descobertos, elaborados e testados de diferentes maneiras para vários fins, como "pedaços" de uma linguagem, se atraíram, puxados pelo imã do reconhecimento de uma identidade mútua em torno de interesses comuns. Se encontraram, distribuíram e aglutinaram, assumindo, finalmente (mas não com um fim), uma forma de linguagem. Esta linguagem, ou língua universal, por ser extremamente técnica (não humana), não sofre as limitações humanas do homem,  mas respeita, igualmente, suas características particulares, pessoais, assim como as grupais e sociais. Haja vista a importância dos movimentos universais de ajuda humanitária, tais como o dos “Médicos sem Fronteiras" .

Gente! Isto é a Informática! 
Nada entendo de seus componentes, seus códigos, mas posso utilizá-la. Não sou bloqueada pelas distâncias nem por outras línguas, pois uma tradução ou instruções vem para mim "quentinha" me permitindo obter o conhecimento que desejo ou o material de que necessito. Preciso somente ter “uma tela ou um cartão tamanho família” ( para eu poder enxergar bem ) chamado, respectivamente computador ou Ipad, ou ainda um “cartãozinho” chamado celular e vontade de aprender a "ler" sua linguagem intuitiva para que ... as portas do mundo se abram para mim com suas estradas, caminhos e atalhos iluminados, dirigidos para conhecimentos, lazer, diálogos, compras, eventos e notícias do mundo todo, enfim, traz para mim o Mundo Atual que se prepara para o Futuro. E,mais importante, eu não sou mais uma simples observadora. Eu posso "entrar nele" e participar; quem sabe, até, colocar nele uma sementinha de mudança para o Amanhã!

Este campo da Informática - a INTERNET - tal como uma linguagem universal que tem a chave para as portas do mundo, tem o mundo por pátria. É feita e constantemente renovada por pessoas especiais de todos os lugares, unidos por um objetivo comum : o de encurtar distâncias, de aproximar os homens uns dos outros para somar ideias e experiências.
Na medida em que permite a expressão sem limites, ela é reconhecida pela criança, que dela se apodera e utiliza sem dificuldade.

Entretanto, o mesmo poder que confere e que atrai, principalmente crianças e jovens, guarda um grande perigo: o de não incluir em seu mecanismo inumano - alheio ao sentimento de humanidade - os valores, tanto individuais quanto sociais, éticos e morais. Sendo inexoravelmente humanos, estes sempre dependerão dos homens.
Mas, será esta a grande falha técnica da informática?
Talvez seja, antes, uma falha humana, uma vez que os próprios homens não se entendem quanto ao significado desses valores!




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