quinta-feira, 1 de novembro de 2012

Casamento, Mito e Rito

Dia 20 de outubro deste ano de 2012. O casamento de minha neta!
Já assisti a tantos casamentos em minha vida e tive até o meu próprio sem nunca questionar tal fato! Finalmente decidi que é tempo de pensar mais profundamente na importância de um acontecimento que tem perdurado através do tempo e existe, ao que se saiba, em todas as culturas. Se eu puder encontrar as prováveis razões de sua existência e permanência até hoje, talvez seja possível compreender melhor a sua necessidade e importância na nossa vida.

Se, inicialmente, considerarmos o casamento a escolha e aceitação de um companheiro ou companheira para uma vida em comum, ele poderá ser visto como um compromisso de aceitação também das normas impostas pela sociedade e pela religião para concretizar essa união . É, pois, a sanção do estado e da igreja, a resposta esperada para uma necessidade que surge com o próprio aparecimento da vida. Neste sentido ele pode ser entendido como uma narração mítica ou sobrenatural dessa força primordial que une um casal através de ritos sociais e religiosos. Por tais características o casamento tem um caráter mágico ou mítico que empresta poderes e qualidades aos personagens do ritual e suas ações. Nas sociedades antigas o mito era a estrutura básica da organização que mantinha a ordem social. Talvez esse caráter mítico do casamento esteja ligado ao fato de a família ter sido sempre considerada a célula básica da sociedade.

O mito e o rito são, pois, altamente conservadores. O casamento como mito pode ser considerado uma representação da força natural a todo ser vivo dirigida à sobrevivência da espécie, cuja origem está na magia, no sobrenatural, pois não há explicação racional para o seu surgimento.
Uma vez que as técnicas racionais não explicam tal força natural que possibilita a continuidade da espécie através da reprodução, os ritos aparecem como técnicas de magia ou religião que visam o controle dessa força a fim de que ela seja mantida dentro dos modelos míticos estabelecidos. Assim, o mito é o coração do rito, sua estrutura significativa. Ambos são faces de uma mesma realidade. O casamento adquire significado primordial no mito, isto é, a manifestação de uma necessidade natural inata, não só humana, enquanto o rito é sua expressão social que pode variar de acordo com a época e a cultura.

Mas, enquanto ser vivo como tantos outros no universo o homem nasce com esse impulso para a sobrevivência, diferentemente dos outros seres nasce também com uma consciência que lhe dá a dimensão de si próprio, dos outros e do mundo. Por isso ele procura no casamento não só uma sanção espiritual e social para, com uma nova família, participar da comunidade como também espera dele o poder mágico de um sustentáculo sobrenatural ( caráter mítico do amor) para a vida futura do casal.
Alem disso a consciência dá, a cada um, a capacidade de manter a sua identidade no decorrer de toda a sua vida, de reconhecer-se como sempre o mesmo e diferente dos demais. Tais características compõem a personalidade de cada indivíduo.
Mas, ao mesmo tempo que a consciência marca a evolução do homem e o diferencia das outras espécies animais, ela inclui uma capacidade crítica que, na vida conjugal, permite ao casal redefinir valores, hábitos e principalmente repensar até que ponto uma restrição do direito de cada um à sua total liberdade pode afetar o equilíbrio das relações e a harmonia no casamento. A discussão e análise das diferenças individuais decorrentes da personalidade de cada um e das necessidades pessoais oriundas de hábitos e costumes anteriores tendo em vista o conjunto familiar como ponto de convergência da preocupação do casal, torna possível a conscientização crítica e a busca de soluções satisfatórias para os problemas que surgem.

Grande parte desses problemas, decorrências da própria evolução social com as mudanças nos valores, usos e costumes, influenciaram as maneiras de ver e tratar muitas das tradições da cultura que foram sendo modificadas. Com isso, muitos desses valores começaram a fugir ao controle dos poderes que antes os moldavam, principalmente aqueles míticos fortemente ligados ao poder religioso.

Assim começaram a fugir cada vez mais ao controle religioso o casamento e a natalidade, duas forças nas quais se baseia a estrutura da sociedade. Se o mito não pode desaparecer, ele pode ser modificado, renovado e reatualizado através dos rituais e da evolução das culturas. A modificação de um mito principalmente como o casamento, tão enraizado nas tradições sociais, leva fatalmente em seu processo a desordens e desorganizações na estrutura familiar com reflexos na organização social.

Por razões desta natureza, pouco a pouco o estado vem, cada vez mais,assumindo certos poderes com a finalidade de corrigir distorções na estrutura familiar causadas pelas próprias mudanças que o progresso vem imprimindo na sociedade. Por exemplo, hoje o estado facilita as condições para o divorcio, a segurança da família no caso de separação dos cônjuges assim como os direitos dos membros daquela família que se formou independente do casamento.
A religião também tem procurado se atualizar, mas em ritmo muito lento frente às exigências sociais. Por exemplo, Jean Yves Leloup, doutor em psicologia e sacerdote hesicasta, (uma linha do cristianismo voltada para a paz -"hésychia") defende essa linha que é mais discreta, menos dogmática, voltada para a meditação e a prática de uma oração que busca conectar o seu praticante com a Origem, através de uma intimidade com a Fonte à qual Cristo denomina Pai.

A separação entre estado e igreja - por vezes oposição - dificulta a harmonia no processo da evolução social. Ambos parecem ver o homem dividido em partes isoladas como corpo e alma, matéria e espírito e, ainda mais, consideram essas partes antagônicas. Isto parece ser, a meu ver, um dos grandes obstáculos para a harmonia dos homens entre si e com o estado.
O homem é uno em suas características e esse conjunto forma a sua personalidade que lhe permite reagir ao mundo como um todo. Ele faz parte de um mundo que também é uno e inclui, como um todo, os seres e a própria natureza. Então por que compartimentalizar o homem, seus pensamentos e as ciências que levam ao conhecimento de si próprio e do mundo?

Parece haver hoje uma clara e generalizada tendência no mundo contemporâneo a fim de resgatar o valor do mito e do rito em todas as grandes tradições do pensamento. Uma valiosa contribuição para isso pode estar em uma abordagem interdisciplinar que representa a necessária dialogicidade da ciência com a arte, a filosofia e a tradição espiritual. A transdisciplinaridade que impede a tradicional compartimentalização dos conhecimentos e das atividades humanas está sendo considerada por grandes estudiosos da pós-modernidade e tem produzido valiosos documentos através do Fórum da Ciência e da Cultura da Unesco. Esses estudos estão focalizados nos quatro pilares de uma educação transdisciplinar: educar para conhecer, para fazer, para conviver e para ser.
E sabemos, de sobejo, que qualquer interferência com vistas a mudanças na sociedade terá, necessariamente que começar pela educação das novas gerações, principalmente em seu contato com os valores culturais tradicionais.

Enfim, tal como desde o início, o casamento guarda seu valor mítico e se mantém como um rito festivo de união, de fortalecimento dos laços familiares, de reunião de parentes e amigos que, por vezes, não se encontravam há muito tempo. Neste ritual os noivos se comprometem perante seu Deus e seu país a constituírem uma família digna desse Deus e da sociedade. É um momento mítico em que todos unem suas preces e desejos a fim de que, como forças mágicas, as virtudes desejadas acompanhem o casal por toda a sua vida.

Uma nova esperança pode, então, ser colocada nos novos casais quando, melhor preparados para administrar as mudanças que ocorrem no mundo, fizerem de seus lares centros de harmonia e de seus filhos sementeiras de uma nova cultura global para o homem sem discriminação de raça, credo e religião.
.
Entretanto, a discussão do tema proposto neste texto abordou apenas alguns aspectos gerais deixando de lado muitas questões particulares importantíssimas que não puderam ser tratadas aqui e agora. Citaremos como exemplo duas por serem cruciais : A primeira seria uma abordagem descritiva e analítica, sem ser crítica, do impulso humano, ao que tudo indica tão natural quanto os analisados anteriormente, de buscar, através do casamento, um companheiro ou companheira do mesmo sexo. E, dentro disso, qual seria o papel da paternidade sem o acasalamento. A segunda questão seria o estudo objetivo e analítico das relações da homosexualidade com o estado e as religiões.
Para tal abordagem pode constituir uma rica fonte de informações a mitologia ocidental e oriental, assim como a indígena. Seria uma análise que incluiria, como um todo, as contribuições de todos os campos de estudo do homem e seu mundo.

Um comentário:

  1. Oi tia Lilia, só hoje vi q vc tem um blog e amei, muito legal o texto Casamento, Mito e Rito, é uma leitura bem descontraida e interessante, tranquilamente lemos e entendemos o q vc quer dizer. Vou ver os anteriores,parabéns
    bjs

    ResponderExcluir

 
;